ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

terça-feira, 22 de junho de 2010

O poema que não escrevo


Minha máquina de escrever
é a mão.
Seu desejo explode entre meus dedos
amputados em frases que evito falar
e não sabem como não dizer.
A palavra limita
imita
recusa
improvisa
e pouco se parece com aquilo que sentimos.
O invisível fala,
mas nunca expõe tudo,
não revela
não traça
não (me) traduz.

Salvo o poema que não escrevo.


Do livro "Cerimônias do Silêncio"

sábado, 19 de junho de 2010

Palavras cruzadas


Horizontais
1- Abraçar com todas as lágrimas.
2- Verso que deve ser lido de costas para o público.
3- Cheiro do céu nublado.
4- Cartas delidas
5- Memórias dos brinquedos.

Verticais
1- Soletrado sem letras.
2- Rio que morre entre as pernas
3- Silêncio que machuca o lábio.
4- Ato de inspirar o poema pelo nariz e expirá-lo pela boca.
5- Palavra que salva se não escrita.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Do porquê não fui


Não era uma nuvem.
Parecia, mas não era.

Algumas, não todas,
são compostas por partículas mínimas
de temores em suspensão.
Quando caem formam receios
e molham silêncios
que falam para não ver-te.


Do meu livro "Cerimônias do Silêncio"

quarta-feira, 16 de junho de 2010

De quem?


Que corpo é este?
E as mãos?
De quem são os passos?
De quem?
Duvido.
Não são os que me levaram
a outra terra,
a outra casa e outra vida.
Era verdadeira a porta
desenhada na parede?
De quem esta língua
que me eterniza estrangeiro?
De quem este ouvido
com vozes de burla?
Quem me aponta defeitos
carregados de fronteiras?
Quem parece estar de volta
quando apenas sei partir?
Não me reconheço
na minha própria visita.
Eram diferentes sapatos
pela fome de estradas,
pelo choro do olho
para dentro.
Suspeito que era outro,
transfigurado em outro
país qualquer;
que por tão maltratado,
obscuro, desaparecido,
a memória que guardo,
é feita de marés.
Se for outro aquele,
Se foi outro, o mesmo,
de quem este corpo,
mutante,
estranhamente vivo?
De quem?

Duvido.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Crônica na revista Blush

A Revista Blush, revista feminina que circula na região norte do estado, e tem uma tiragem superior a 6.000 exemplares, solicitou ao editor Carlos Schroeder a indicação de dois escritores para fazer uma crônica... Na sua escolha: Marcelo Vieiras Lamas e este servidor...
A edição será especial e abordará principalmente dois temas: o DIA DO HOMEM, comemorado no dia 15 de julho, e a FEIRA DO LIVRO DE JARAGUÁ DO SUL que será realizada do dia 2 a 12 de julho.
A crônica é para estar pronta esta semana... Licença, vou escrever...

sábado, 12 de junho de 2010

Um


Para a esquerda.
Mais um pouco.
Mais.
Não tanto.
Vira.
Devagar.
Quase, quase.
Aí.
Bem aí.
Pode ver?
Você e eu,
mesmo
não coincidindo
em nada,
justo
neste ponto,
somos um.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Falta


Estendo sua ausência sobre a toalha,
sirvo café para dois,
e nada falo para ouvir
o que não disse.
Bebo o meu, enquanto o dela espera,
e nem consigo olhar
como não pulsa.
Este frio não é seu,
nem o vazio da minha voz
que morre até a morte,
interminável.

Escrevo para que me seja dado
seu nome
no tom e carência certa,
enquanto digo anjo, lua, boca.
Depois calo.

Tudo falta,
como se não tivesse sido.
Não sei se quero
o que já não existe,
ou ambas as coisas,
ou todas nela mesma.

Recolho a mesa,
a cadeira do lugar
e bebo frio seu café.
As flores de um minuto atrás
secaram.

Disse
o que eu não saberia como,
deste jeito imenso de estar só.
Já somos o silêncio
que seremos.

As perdas não me entendem.


(Do meu livro "Cerimônias do Silêncio".)

terça-feira, 8 de junho de 2010

Com a mão que encontro


Quanto mais escrevo,
mais apaga e desdiz a mão.
Habito em muitos cadernos de
coisas que não digo.
Para que dizê-las?
Escrevo enquanto durmo
e morro antes de acordar,
mesmo antes de morrer.
Urino sangue, tinta,
com a mesma intensidade
de um grito.
Porque sem querer, quero.
Sem falar, escrevo, para moldar
a palavra com a mão que encontro.
O que está ao alcance da boca
é parte dessa voz.
Recrio Deus em alheios entulhos,
entre o branco do papel
e o preto gasto de afundar o escrito.
As palavras organizam a queima dos fôlegos
e aproveitam as cinzas que silenciaram
para fazer sua poesia.

Calar não é mais possível.

domingo, 6 de junho de 2010

Um silêncio que verbaliza


"gabriel gómez é contista. antes, é borgeano. conhecedor impecável de tudo sobre borges. vida e obra mesmo. um primor de conhecimento. digo que é contista pelo seus dois primeiros livros publicados: “A culpa é do livro” e “Borges e outras ficções”. só clicar ali que ‘cês saem nos textos que já escrevi – e publiquei – sobre a escrita de gabriel.
é amigo “ao vivo”, antes de amigo
blogueiro. conhecemo-nos cá por jaraguá, em uma das feiras de livro. e por outras vezes cá estivemos. e outra, a mais recente, em floripa, quando do lançamento do seu terceiro livro, “Cerimônias do silêncio”, o primeiro livro da coleção de poesia “Câmera-verso”, organizado pela Design Editora, do Carlos Henrique Schroeder.
então, gabriel, além de contista, borgeano e amigo, é poeta. poeta que, assim como contista, vai na palavra, em sua estrutura, e a remexe por completo, e a vira do avesso mesmo, assim, ó..."
O professor, amigo, escritor e blogueiro Ítalo Puccini, começa assim seu post no blog "Um sentir complementa o outro" sobre meu livro "Cerimônias do silêncio"... Eu continuo não tendo palavras para agradecer tantas outras...
Obrigado amigo! Até a Feira do livro de Jaraguá...
Leia
a nota completa e os comentários
AQUI.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

terça-feira, 1 de junho de 2010

Retalhos, mistura de trechos...


Assim como alguns velhos e novos retalhos emendados fazem uma nova peça de cores e texturas; assim como Dj´s adicionam e misturam músicas, ritmos e fazem recriações da sobreposição... Ou antigos alquimistas e suas fórmulas... Assim pequenos trechos de diferentes autores e estilos da literatura dão vida a outros textos...

Irreal

O rapaz soltou o corpo e se deixou deslizar suavemente no banco. - Nunca me aconteceu uma coisa assim – disse, como que falando a si mesmo. (1)

O medo seca a boca, molha as mãos e mutila. O medo de saber nos condena à ignorância; o medo de fazer nos reduz à impotência. (2)

Essas emoções repetidas e inesperadas, se tivessem que continuar, poderiam transformar uma perturbação mental passageira e momentânea numa doença crônica. (3)

- Devagar, devagar... Não fique preocupado. Você verá que não é nada. (4)

Era preciso reconhecer que seus olhos esbugalhados perfuravam a escuridão. (5)

- Não entre! Não entre! (6)

Trancou-se no banheiro e lavou varias vezes o rosto. Precisava refrescar-se, afogueado. Um frio fogo o queimava. (7) Mesmo não querendo, todo homem é feito de fugas, maiores ou menores, graves ou inconsequentes. O fugir é o pai da mentira. (8)

Do outro lado dos livros, transposta a superfície preta e branca das palavras impressas, do outro lado de um jardim e de uma grade de ferro, o mundo parece irreal, ou, melhor dizendo, o mundo é exatamente essa irrealidade. (9)

Esta página, por exemplo, não nasceu para ser lida. (10)


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1 – Julio Cortazar. Bestiário. 1986. Editora Nova Fronteira. Ônibus. Pág. 57.
2 – Eduardo Galeano. O livro dos Abraços. 1989. Coleção L&PM. 2007. A desmemória 2. Pág 110.
3 – Vincent Van Gogh. Cartas a Théo. L&PM editora. 2002. Carta de 22 de fevereiro de 1889. pág 341.
4 – Luigi Pirandello. Male di Luna. Os melhores contos de loucura – Flávio Moreira da Costa, organização. 2007. Ediouro. Pág. 104.
5 – César Aira, A luz Argentina, 1983, Uma Buenos Aires de Novela, Editorial Sudamericana, pág 338.
6 – Horacio Quiroga. A galinha Degolada. Os melhores contos de loucura – Flávio Moreira da Costa, organização. 2007. Ediouro, pág 89.
7 – Otto Lara Resende. O Elo Perdido. Para gostar de ler. Editora Ática. 1992. Pág 66.
8 - Rubens da Cunha. Aço e nada. 2007. Design Editora. A fuga de todos nós. Pág 130.
9 - Ricardo Piglia. O último leitor. 2006. Companhia das Letras. Pág 29.
10 – Paulo Leminski. Distraídos venceremos. 1987. Editora brasiliense. Pág. 15.

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