Existe uma significativa diferença entre dominar qualquer outro idioma e ter a pretensa capacidade de conseguir traduzir, com os atributos e características do autor e da palavra, um bom texto literário.Lembremos que os vocábulos traduzir e seus derivados possuem a ideia de “fazer passar, pôr em outro lugar”, mas, discutivelmente, não seria apenas isto. Há o conhecido jogo de palavras em italiano que diz "Traduttore, Traditore", cuja tradução é "Tradutor, traidor".
E o que falar da poesia então? É traduzível? O tradutor precisa ser poeta? Apenas procurar sua equivalência, musicalidade ou sua forma e conteúdo? Os questionamentos são extensos por parte de autores, tradutores e até céticos do tema. Vale lembrar que alguns dos maiores escritores na sua língua (citemos apenas como exemplo, Manuel Bandeira e Borges), já foram ótimos tradutores, e até valorizaram sua própria obra com prêmios e reconhecimentos neste exercício.
Mas a ideia não seria discutir o extenso questionamento histórico e sim me deter desta vez, em apenas uma palavra que, mesmo tendo seu “equivalente” traduzível em diversos outros idiomas, seu amplo sentido parece incompleto ou perder-se em parte.
Assim como existe a intraduzível e conhecida “saudade” em português, onde parece impossível achar um equivalente tão representativo em outra língua, lendo um texto do filosofo Mario Sergio Cortella, percebi que a palavra “nosotros”, do espanhol, não consegue representar seu completo sentido quando traduzida...
Senão vejamos: literalmente “nosotros” seria apenas “nós” em português, ou “we”, no seu equivalente em inglês, por citar apenas dois idiomas. Comparativamente em “nós” e “nosotros” podemos perceber que a primeira separa o “nós” dos “outros”, ou seja, como destaca o filosofo, é quase uma barreira: nós por um lado, “vocês” do outro. O “nosotros” do espanhol exige perceber o outro como um outro e não apenas como um estranho. Afinal, quem são os outros de nós mesmos?, questiona. O homem por si só não pode se conhecer em sua totalidade. Não é que só através dos olhos de outras pessoas é que alguém consegue se ver como parte do mundo? Então, sem a convivência, uma pessoa não pode se perceber por inteiro. "O ser Para-si só é Para-si através do outro", ideia que Sartre também herdou de Hegel.
Isto, que poderá parecer até uma simples diferença etimológica, não é pouco.
O “Nósoutros” poderia incorporar não apenas uma nova palavra, um sentido e conceito a mais, e sim a capacidade de enxergar um pouco de nós em cada um dos diferentes, imediatos e por vezes, distantes “outros”.
Apenas por isto, já vale a pena...