ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Geografia da alma

Para esta voz que me resta
Para o galho que me segura
Para esta fé que vacila
Para a palavra a prova de balas
Para a bala de cada dia
Para esta nudez dos outros
Para esta boca apenas tua
(excessivamente minha)
Para os três tigres que a travam
Para a mágica que escondo
(a pomba apertada no peito
que já está morta na manga)
Para o que joguei fora engolindo
Para o sopro que me anima
Para o que já foi e ainda pulsa
Para o que intercepta tuas cartas
E os braços
nos abraços dos pássaros
E o preço do apreço
E o que não vale nunca
E que eu ainda pago
E o peso do que levo
E o que se desfaz nas mãos
Neste frio de fome
Nesta fome de corpo
Onde os dedos não voltam
E as águas não lavam
E esperam
E a fotografia de costas
Sorrindo timidamente
E teu nome
Descalço
Que nestas horas
Reabre o fechado e
corrige tudo.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Vou dormir

"O suicídio não é querer morrer,
é querer desaparecer."
Georges Perros


Que amarga queixa o mar ouviu?
Que confissão?
Lágrimas e mar, sal no sal,
na chaga que não cala.
Seu sonho tropeçou, submerso.
Dorme agora,
abraça o abismo claro que também abraça.
Onde guardou sua cicatriz?
Ouvem uma voz vinda das águas?
É naufrágio ou travessia?
Tudo vibra.
Ele vai chamar? Não importa mais.
Deita que a ressaca devolve o poema,
para sempre,
entre duas vidas,
quando não se quer a vida
e abre espaço no mar.
Ainda cheiro essa mesma espuma.
Os pássaros migram, partem,
mas não esquecem Alfonsina,
se entreolham tristes e também veem,
outro sal no mar.

------

Na madrugada do dia 25 de outubro de 1938, uma mulher não aguenta mais as dores causadas pelo câncer. A morfina não faz mais efeito e sua depressão lhe ajuda para tomar a decisão: sai da sua pensão em Mar del Plata e se joga desde um espigão para o remédio dos sais marinhos. Alguns afirmam que foi adentrando lentamente, que o alívio veio com as ondas. De manhã, alguns trabalhadores veem surgir um corpo boiando. Ao levá-lo ao hospital, a reconhecem como Alfonsina Storni. Tinha 46 anos.
Naquele lugar, seu corpo, agora talhado na pedra, olha para sempre a maré e pressente as flores que sempre deixam em seus pés.
Alguns dias antes, Alfonsina tinha encaminhado por carta seu poema "Vou dormir", ao jornal "La Nación", que chegou postumamente, como último pedido num bilhete suicida:

Dentes de flores, touca de sereno,
Mãos de ervas, tu, ama-de-leite fina,
Deixa-me prontos os lençóis terrosos
E o edredom de musgos escardeados.
Vou dormir, ama-de-leite minha, deita-me.
Põe-me uma lâmpada à cabeceira;
Uma constelação; a que te agrade;
Todas são boas: a abaixa um pouquinho
Deixa-me sozinha: ouves romper os brotos…
Embala-te um pé celeste desde acima
E um pássaro te traça uns compassos
Para que esqueças… obrigado. Ah, um
encargo:
Se ele chama novamente por telefone
Diz-lhe que não insista, que saí…*


Apenas como curiosidade: tenho o livro
"El dulce daño", 1918, autografado por ela.
Primeira edição. Muito raro.

* O poeta Felix Luna escreveu a letra da música "Alfonsina e o mar", cantada pela primeira vez por Mercedes Sosa em 1969, utilizando parte do poema original de Alfonsina:

Pela branda areia/ Que lambe o mar/ Sua pequena pegada/ Não volta mais/ Um caminho só/ De pena e silêncio chegou/ Até a água profunda/ Um caminho só/ De penas mudas chegou/ Até a espuma. / / Sabe Deus que angústia/ Te acompanhou/ Que dores velhas/ Calaram tua voz/ Para deitar-te/ Sussurrada no canto/ Das conchas marinhas/ A canção que canta/ No fundo escuro do mar/ A concha. // Te vais Alfonsina/ Com tua solidão/ Que poemas novos/ Foste a buscar?/ Uma voz antiga/ De vento e de sal/ Te requebra a alma/ E a está levando/ E te vais até lá/ Dormida, Alfonsina/ Vestida de mar// Cinco sereinhas / Te levarão/ Por caminhos de algas/ E de coral/ E fosforescentes/ Cavalos marinhos farão/ Uma ronda ao teu lado/ E os habitantes/ Da água vão a brincar/ Prontamente a teu lado. // Baixa-me a lâmpada/ Um pouco mais/ Deixa-me que durma/ Ama-de-leite, em paz/ E se ele chama/ Não lhe digas que estou/ Diz-lhe que Alfonsina não volta/ E se ele chama/ Não lhe digas nunca que estou/ Diz que me fui.


(Do meu livro "Suicidas - os modos de falar à parede)


terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Cervos

Caminhamos lentamente e em fila, para cruzar o rio. E nadar quando for necessário. A terra ainda é um lar. Um coro de pássaros nos acompanha e sossega nas pontas de cada haste. Não me perguntem como e onde nasceu o costume de apoiar a cabeça e o pescoço nas costas daquele que está na frente. Sei que facilita e o caminho parece mais leve. Mas hoje estou cansado. Já nem falar consigo. Peço desculpas, não aguento muito ser o primeiro. Levei uma mordida e agora estou sentindo. Nós não contamos os anos, apenas vemos se podemos fazer algo ou não. Não sei quantos estão atrás. As correntes estão aumentando e precisamos manter-nos atentos. Parecemos ariscos, mas quem nos ameaça está sempre de prontidão.
Vou dar um sinal e pedir para ser o último. Quem sabe aí eu possa me atrasar um pouco, até as águas ficarem vermelhas...

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

As mortes em Horacio Quiroga


Quiroga enganou com a verdade ao vendedor quando disse que o veneno era para seu suicídio. Os dois riram. A barba ajudou. Não sabia que sua decisão era mais uma peça do recorrente, parte do seu antes e depois. Que obedeceu a um jogo indecifrável, da série de fatos que está envolvido o universo e seus vínculos circulares, em inúmeras séries e cifras igualmente incompreensíveis, repetitivas. Para isto seu pai teve que morrer com um tiro. Seu padrasto também. E que tentando explicar como seria o funcionamento da arma, matasse acidentalmente seu melhor amigo. Que sua primeira esposa se suicidasse, igual que seu protetor, como seus dois amigos escritores, Leopoldo Lugones e Alfonsina Storni. E que finalmente seus três filhos, Eglé, Dario e a "Pitoca" também procurassem o mesmo fim após a morte do pai.
Assim como no Jardim de veredas que se bifurcam, o tempo se bifurca perpetuamente em inumeráveis futuros de frágeis fios. Em um deles, no caminho mais longo, todos esperam pacientemente até o final.

(Vínculos circulares - do livro "Suicidas, os modos de falar à parede", Gabriel Gómez) 


E quiçá ele poderia ter contado sua propria morte, tal como escreveu Eduardo Galeano, no seu recente livro "Os filhos dos dias":

Hoje, morri.
No ano de 1937, fiquei sabendo que tinha um câncer incurável.
E soube que a morte, que me perseguia desde sempre, havia me encontrado.
Eu enfrentei a morte, cara a cara, e disse a ela:
- Acabou esta guerra.
E disse a ela:
- A vitória é sua.
E disse a ela:
- Mas o quando é meu.
E antes que a morte me matasse, eu me matei.

(Pode ser que Horacio Quiroga Tivesse contado assim sua própria morte - "Os filhos dos dias", Eduardo Galeano)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Cansei

Cuando aprendí braille para leer tus cicatrices…
Raquel Bullón Acebes


Deixa. Cansei. Deixa assim. De alguma forma deixa disso. Volta, cansei, volta só hoje, à noite, açoite. Cansei. Estou faminto agora e não quero discutir. É difícil julgar apenas pela casca antiga. A lâmina já não corta e seu cheiro não sai dos meus dedos. De fato, cansei. Nossa vida não era isso. Ouça. Quando ficou assim? Deixa, coloca os pratos e comamos em paz, sem falar, sem olhar, sem dar-nos autênticos motivos, ou sim. Sem sermos você e eu. Eu sei, está fria, a comida, nossa vida, seca de nós, e não volta aonde ia quando íamos juntos. Lembra? Troca. Cansei. Pela última vez, sejamos rápidos de passos, de saídas, de encontrar algum novo canto abandonado, até para lamentar no escuro. Depois correr ou chorar. De leve. Deixa pular primeiro desta corda. Tempo de menos repartido em dois, ou em três, diga. Não sei. Chegamos até aqui, veja, separados o bastante, pela proximidade. Nada. Ninharia, migalha. Droga de vida. É quase isso. Deixa por tanto. Cansei.

Do meu livro: "Suicidas - Os modos de falar à parede"

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Mais sobre o lançamento

Lançamento
Muitas pessoas (O auditório do Sesc teve que ser ampliado com mais cadeiras...), prestigiaram o lançamento do meu 5 livro “Suicidas – Os modos de falar à parede”, realizado na sexta-feira, dia 9. Muita gente ligada à cultura, educação, escritores, ao novo executivo (o vice-prefeito eleito Jean de Liz e esposa), ao Legislativo (o presidente da Câmara de Vereadores José Thomé), imprensa, família, amigos... Agradeço novamente ao SESC (leia-se Volmar, Sidneia e Rodrigo) pela organização e sucesso desta nova edição da Feira do Livro.

Sobre o lançamento (1)
“Caríssimo amigo, escritor, poeta, jornalista Gabriel Gómez: Ainda estou emocionada com o lançamento especial de seu livro SUICIDAS que ocorreu ontem no SESC de Rio do Sul. O coração palpita mais alto quando diante de um escritor, poeta que se desnuda para seu público e brinda á todos com emoções muito cálidas. É preciso ter imensa coragem para mostrar o âmago de si mesmo. E, GABRIEL GOMEZ sabe fazer isto como um ícone em plena seara. Na presença de amigos, familiares e sua veneranda mãe ele, o poeta levitou. Foi realmente uma festa!”
Saudações da escritora Apolônia Gastaldi.

Sobre o lançamento (2)
“Vivenciei ao lado da minha filha Belisa, nessa sexta-feira, às 7 e meia da noite nas dependências do Sesc no Budag (Parabéns pela estrutura do Sesc). O lançamento do livro "Suicidas", Os modos de falar à parede, do escritor e meu amigo Gabriel Gómez. Muita gente presente, algumas que eu não via a muito tempo. Foi muito bom. Uma frase do livro "A VIDA CUSTOU PARA ENTRAR NAS PALAVRAS." O livro é muito bom! Parabéns Gabriel...”
Comunicador Lorival Goulart.

Sobre o lançamento (3)
Gabriel! Parabéns por mais este lançamento de seu 5º Livro. Você tem hoje um importante papel no cenário da Literatura e da Cultura de Rio do Sul e região. Tens o reconhecimento no estado, tens grande reconhecimento em sua tão amada e querida terra Argentina. Para mim você é fonte inspiradora para muitos que ainda timidamente soltam as primeiras palavras no papel, para aqueles que desejam, mas não tem a coragem de se mostrar ao público. Você pode e tem poder para alavancar muitos escritores de seus berços adormecidos. Assim escreveu o nosso Vando (Adorivano Bento) no dia nacional do escritor em 24/07/2012: "Na leitura de um bom livro, o conhecer não lhe esconde/ O livro fala e pergunta, a alma se deleita e responde/ Ler é sonhar acordado, (...) é derrubar as barreiras (...).
Marta Rejane Trindade de Lima, Bibliotecária Grupo UNIASSELVI/FAMESUL
Pedro Klock, Diretor Grupo UNIASSELVI/FAMESUL.

Sobre o lançamento (4)
“Nascido em Buenos Aires, riossulense de alma, um presente para nossa cidade. Gabriel Gómez transcende a palavra e nos presenteia com lindas obras literárias, não é a toa que nesse ano foi merecedor do prêmio “Sucesso Empreendedor na Cultura”. Lutador incansável da valorização da arte no nosso município, Gabriel tem o dom da escrita e uma “língua afiada”, qualidades importantes no nosso tempo, onde nem todos têm a coragem de se expressar... Participou das coletâneas “Livro do Esquecimento” e "Nada tem nome", do projeto SESC e disso nos orgulhamos também. Publicou “A Culpa é do Livro, em 2008; “Borges e outras ficções” em 2009. Em 2010 publicou "Cerimônias do silêncio". E no ano de 2011 lançou o seu quarto livro: "Exercícios da Ausência”. E hoje, temos o prazer de compartilhar com o Gabriel o lançamento de seu quinto livro "Suicidas: Os modos de falar à parede".
Palavras de Sidineia Köpp- Técnica de Cultura do SESC, na abertura do lançamento.

Leituras e comunicadores
Lourival Goulart (rádio Mirador), além de colocar no seu Blog o evento, leu no programa de sábado alguns dos poemas do livro “Suicidas”, no quadro a música da minha vida.
Também o comunicador Cícero Luis (Rádio Mirador) foi com sua família ao lançamento do livro e me entrevistou no seu programa da tarde.
Alem de uma longa entrevista ao vivo, o comunicador Alex Policarpio (Super rádio Difusora/ESPN) esteve prestigiando o lançamento do meu livro no SESC.
O programa Holofoty´s do Fabiano Schneider (Rede BA) prestigiou e acompanhou todo o lançamento com imagens e entrevistas.
A Rede BA e RSTV fizeram para seus respectivos jornais, diversas entrevistas e imagens do evento.
O diário “Folha do Alto Vale” publicou uma longa matéria e fotos sobre o livro e minha carreira de escritor.
Às meninas do Blog “Vale por elas” (Rita e Fabi), pela alegria, fotos e presença e ao Marcos (e esposa Luciane) pela cobertura da Revista Sucesso...
A todos, meu cordial e sincero muito obrigado!


Leia o livro em formato digital, AQUI gratuitamente:

 
 

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sobre o Lançamento de "Suicidas"

Momento histórico para a literatura de Rio do Sul


O lançamento do livro “Suicidas”, de autoria do jornalista e escritor, Gabriel Gómez, representa um grande momento, para a literatura de Rio do Sul e região.
É válido ressaltar a continuidade da produção literária de Gómez. Em cinco anos, são cinco obras inéditas e com temáticas diferenciadas. Este aspecto, demonstra a relevância do trabalho intelectual do escritor.
Antes da publicação de “Suicidas”, Gabriel lançou  “A Culpa é do Livro”, em 2008. No ano de 2009, publicou “Borges e outras Ficções”. Em 2010, fez o lançamento de “Cerimônias do Silêncio". No ano seguinte, o autor de Rio do Sul editou "Exercícios da Ausência”.
Com esta considerável produção literária, tornou-se o principal escritor da capital do Alto Vale do Itajaí, em atividade, obtendo reconhecimento da sociedade e das pessoas que apreciam o universo literário.
A Associação de Escritores do Alto Vale do Itajaí e os amigos da literatura de nossa região, orgulham-se deste fato e acreditam que o trabalho de Gabriel, poderá servir de inspiração para novos autores, que sonham em publicar os seus escritos. Inclusive, o escritor riossulense já ganhou concursos literários e, consequentemente, teve os seus escritos divulgados em âmbito estadual e nacional.
Em termos de história da literatura de Rio do Sul e do Alto Vale do Itajaí, são poucos os autores que alcançaram a marca de cinco livros publicados. São eles: Alcides Buss, de Salete, Fiorelo Zanella, de Taió, Harry Wiese e Apolônia Gastaldi, de Ibirama, Carlos Schroeder, de Braço do Trombudo, Leonir Pedro Braun, de Imbuia, Lúcia Martins, de Ituporanga, além de Neide Maria de Souza Areco e José Ernesto de Faveri, de Rio do Sul.
São nomes já reconhecidos regionalmente e agora Gabriel passa a integrar este seleto grupo. Além da quantidade de obras publicadas por estes autores, é fundamental salientar a qualidade de conteúdo dos trabalhos. Mesmo com poucos incentivos culturais, no quesito de incentivo à publicação de livros, a região de Rio do Sul e do Alto Vale do Itajaí é destaque, em termos de produção literária no Estado de Santa Catarina.

Jonas Felácio Júnior – Secretário da Associação de Escritores do Alto Vale do Itajaí – Graduado em Jornalismo pela Unidavi, Pós-graduado em História, Cultura e Patrimônio pela Celler Faculdades e cursando a Licenciatura em História pela Uniasselvi/Famesul. Professor de Filosofia na E.E.B. Maria Regina de Oliveira em Agronômica e Professor de História e Geografia na E.E.B. Paulo Cordeiro.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Flores

P:
R: Vendo flores na rua, de porta em porta, de carro em carro, no pequeno posto onde trabalho e me entrincheiro.
P:
R: Não, seria como penitência. A intempérie me protege e agasalha. A rua ensolarada substitui a anestesia.
P:
R: Acho que sim. Apenas diria que aqui tudo se vê, que é mais uma forma de sustento. Minto como todo mundo. Não penso no fim do mês, tenho poucas certezas que o desamor me impôs.
P:
R: Não moço, mas se há que ler, eu leio.
P:
R: É que muitos não sabem, mas de cada uma, ajeito as folhas, rego-as com cuidado, coloco um papel platinado como arranjo...
P:
R: Já fiz muito, agora não, aliás, o mínimo necessário. Não temos nada em comum, não me deixaram nada além de alguns beijos esquecidos e fracassos por toda a minha cara. Voltando: quando posso, falo com elas, baixinho. Renovo-as com carícias. No jardim cresce meu pão.
P:
R: Não, já apanhei muito também. Não vai funcionar comigo. Antes chorava por isso, agora apenas grito: Flores! Flores! Perfeitamente ensaiado. De algum modo, sou cada uma delas com o cheiro dos espinhos, quando a gente se cheira.
P:
R: Sim, mas algumas acabam murchando, perdendo seus verdes e vermelhos, caindo suas pétalas com o mesmo silêncio dos doentes. E vão como se vão as flores.
P:
R: Por isso dá pena jogá-las fora, então peço licença e as levo para casa quando meus braços estão vazios. Acomodo todas em vários copos com água morna, onde os ramos parecem sangrar em silêncio no meio da noite, que é quando bebo, e combina com meu aspecto de muitos metros enroscado nas cobertas, com o resto triste e barato do abandono, a mínima luz, as plantas da varanda, olhos de pedra, e eu atrás, encolhida, paredes cegas e o cheiro de funeral das coisas caladas onde parece não haver paisagem, onde restam poucas claridades, além de um sorriso claro. De manhã, pássaros pousam sobre minhas feridas. Eles acreditam que não os vejo antes de dormir. Divertem-se me cercando. Mas, que importam seus murmúrios, enquanto morro? E se Deus fosse uma decepção total? Às vezes penso que a intuição é seu alfabeto. Só não me peçam saber qual é o sentido de tudo isto. Eu deveria ler a Bíblia. Não sei descrever um quarto escuro onde não cabe o céu na janela.
P:
R: Qualquer coisa. Qualquer. Falo de esperança em gavetas separadas.
P:
Em algumas situações gostaria fazer isso, sim. Passar a borracha, apagar algumas partes e redesenhar a vida de uma forma diferente. Por momentos somos apagados pelo que já não conseguimos dizer. Encobertos pelo extraviado. E é com tanta intensidade que não estamos, que nem palavras nos encontram, que do nó da garganta brota sempre a fome ou apenas flores que morrem e que prontamente usarão para decorar nosso silêncio. Não sabemos que fazer do olhar. O que se vê, é o que falta, o que não fala, o que não volta. Não estamos nem detrás da procissão da ausência; e as suas pernas que se arrastam. Nós, que já não estamos: os invisíveis, os esquecidos, os ignorados e errantes... Os que falam com línguas sem céu. Cada dia desaparecemos um pouco, até completar-nos.
P:
R: Pois é... Tento fazer o mesmo com minha vida. Nem sempre consigo. Vez que outra me alcança um desespero. Abro esta porta, mas o inverno nas flores chega por acumulação. Amor e vento (e eu morrendo). Quando acordo todo dia e vejo que sou a mesma de ontem, penso que não é o bastante. Já não sei aonde ir, mas volto a trabalhar cedo para que nada disto se note.

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Promoção!

Quer ganhar o livro "Suicidas - Os modos de falar à parede" do escritor argentino radicado no Brasil Gabriel Gómez? Sim?
Leia o livro digital, responda as 3 perguntas e plim, pronto, enviaremos gratuitamente um exemplar para você.

Leia o livro em formato digital, AQUI gratuitamente:

Responda estas 3 perguntas para o e-mail atendimento@designeditora.com.br:

1. Que poema homenageia a vida e obra da poeta Alfonsina Storni?
2. Que poema homenageia Van Gogh?
3. Que poema é dedicado para Ana Cristina Cesar?

Pronto, se as respostas estiverem corretas, você receberá o livro impresso, gratuitamente, em sua casa.
Página oficial do livro no Facebook: AQUI

Design Editora: digital e impresso.

Pela metade

Tenho uma palavra pela metade
que não posso escrevê-la,
já que não está completa.

Não aparece nem a ponta
daquilo que representa.

Mas ela está aí,
esperando para concluir,
querendo de mim
o que quer que seja:
um dizer, sua interpretação,
o corpo e sua cabeça.

Mas eu não sei,
nada sei sobre ela.

Apenas que está pela metade
e justo aquilo que falta,
é o que eu tenho dela.


segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Cartas


As cartas não contam nada
como alguns acreditam.

As cartas, como Rubem Alves disse,
são para que mãos separadas se toquem
na mesma folha.

Que separam?
Não sei.

Mas transbordam palavras,
perseguem histórias
e apenas sossegam
quando reveladas.

Que revelam?
Não sei.

Algumas, só lidas pelo fogo,
não chegam a outras mãos
e ardem mudas,
consumidas.

Que calam?
Não sei.

E voltam a guardar segredos
E se anunciam
com outros nomes,
outras tintas
e a mesma morte.

Assim como o silêncio?
Talvez.
(Não convém lembrá-los.)





quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Espaço da Cultura



A Revista Sucesso fez uma matéria da nova programação do Canal 3, Cabovisão. A foto é do bloco dedicado à Cultura (ou à falta que ela faz em nosso município...) que faço todas as quartas-feiras, 18:30h. 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

A capa...

Recebi 1 (um) exemplar da editora (Design Editora) do meu quinto e novo livro que logo já estará nas livrarias do sul do país (Curitiba, Catarinense, etc) e pela Amazon...
De primeira mão, a capa do "Suicidas: Os modos de falar à parede".
Detalhe: é meu primeiro livro "Pocket".

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Suicidas - Os modos de falar à parede

Meu próximo livro "Suicidas - Os modos de falar à parede", já está na editora.
A seguir o texto na contra-capa escrita pelo poeta Cristiano Moreira:


A urgência que assoma ou assombra estes suicidas de
Gabriel Gómez é o convite ao cortejo de corpos neste ataúde-livro.
O luto está nas letras impressas, máculas
sobre o papel branco, porta voz dos suicidas,
aqui calados em negra tinta.
A nós, leitores, cabe o gesto de abandono próprio
para acompanhar as variações humanas contidas
neste volume.
Diante de cada suicídio, a pressa, a raiva,
a tormenta que ainda assim convida à vida,
a sobrevida em cada salto, em cada
vazio entre as palavras, em cada conto ou poema,
a encomenda.
Aqui cada leitura é tentativa de salvação
momentânea, de ressuscitar o texto e quando for
impossível estancar o silêncio, então amigos, é a hora
exemplar de retomar a leitura.

Cristiano Moreira

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Autografados e abandonados (Desculpa Bioy...)


“Ocasionalmente as obsessões permitem
a grande obra. Quem sabe de que livro
estamos lendo agora os rascunhos.”
Adolfo Bioy Casares


Borges e seu amigo Bioy Casares


Entre os diversos livros da biblioteca, guardo um lugar especial para aqueles autografados. Levam a marca e respiram o ar do tempo em que foram datados. Sinto-me transportado àquela hora. Outros, incompreensivelmente, mesmo com assinatura e dedicatória para seus leitores, foram esquecidos e deixados de lado em algum sebo.

Que destino ou castigo imposto levou alguém a abandoná-los? Tomavam muito espaço ou a nova cor amarela das páginas não sustentou sua nova leitura? Prometeram uma literatura que não foi cumprida? Qual foi a falha? Onde foram vencidos seus acertos? Que caminhos percorreram até perder-se da estima? Talvez até contem uma história mais curiosa e triste que a do próprio livro. Sinto-me na obrigação de resgatá-los, como se estivesse devolvendo ao autor, e a suas páginas, o carinho e respeito que tiveram na hora da sua assinatura.

Antigos e contemporâneos convivem em harmonia com assinados rejeitados comprados de terceiros. Assim como o filho perdido que volta pra casa. Mesmo adotados, são próximos e amados por igual. Em muitos outros, que guardo com mais zelo ainda, aparece meu nome. Sempre exerceram grande fascínio e foram utilizados com diversos propósitos, assim como suas dedicatórias. Mas quero enfatizar uma. Ela sempre chamou minha atenção e fez que especulasse infinitas conjunturas e perguntas a partir dos detalhes registrados na página do livro.

Dono de uma vasta obra onde a fantasia e a realidade se superpõem com harmonia magistral, o escritor Adolfo Bioy Casares não pára de me surpreender. E deve ser em parte por isso que possuo, justamente dele, uma das “dedicatórias” mais curiosas e inusitadas. Suspeito que foi na 6º exposição da Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, já que o carimbo ainda consta numa das páginas.

A impecável construção de relatos fez com que, em 1990, conquistasse o maior galardão literário da língua espanhola: o prêmio Cervantes. Bioy era rico, pertencia a uma família tradicional.

Sua fama de galã e conquistador extrapola também sua bibliografia. “Comecei a escrever para seduzir as mulheres. Elas estão sempre na origem de tudo”, confessou. E claro que diversos fatos da sua vida e obra retratam e confirmam este perfil. Casado com a escritora Silvina Ocampo, construiu, junto com Borges, um dos pilares mais fortes e renovadores da literatura de ficção Argentina e mundial. Escreveram individualmente e a quatro mãos, adotando o nome de H. Bustos Domecq e B. Suárez Lynch. Bustos fora um tataravô de Borges e Domecq um tataravô de Casares. “A invenção de Morel” (1940), a mais reconhecida obra de Bioy Casares, foi claramente a inspiradora do bem sucedido seriado americano “Lost”. Numa clara referência e homenagem, um dos capítulos exibe um dos protagonistas e habitantes da ilha lendo o referido livro.

Por muitos anos Borges e Bioy lideraram o cenário literário - intelectual. Sua escrita, amizade e gostos se fundiam de forma recíproca, no cordial papel de mestre e discípulo.

Não posso deixar de citar um comentário do seu contemporâneo, Julio Cortazar, a uma de suas obras: “Poderia ter sido algo grande, mas malogra parcialmente pela excessiva assimilação da técnica do papai Borges e de seus temas”.

“Adolfito”, como era conhecido pelos amigos e família, um dos escritores de mais prestigio e sedutores da sua época, não escondia sua paixão pelas mulheres. Silvina, também rica e onze anos mais velha, sentia orgulho da sua conquista. Compartilhavam assuntos literários e certa burla para convenções sociais. Mas defendia seu “troféu” até de suas amigas mais intimas. Nem sempre ganhava... Com o tempo acabou aceitando suas diversas amantes, aventuras superficiais, como ela mesma definia, enquanto não ameaçassem a estranha e estável união intelectual. Um dos casos mais conhecidos e duradouros foi aquele que manteve com a bela Elena Garro, esposa do escritor mexicano e prêmio Nobel de Literatura, Octavio Paz.

Silvina possuía um particular encanto que contrastava com aquilo que a si mesma considerava como “fealdade”: “Onde quer que eu vá com esta cara?” perguntava. Impossibilitada de dar um filho a seu marido e, com medo de perdê-lo, acabou concordando em adotar Marta Bioy, filha de Adolfito com uma de suas amantes.

Diversas histórias com suas mulheres faziam parte já do folclore literário. “Bioy teve amantes que o freqüentaram até o dia da sua morte”, confessa no seu livro “Os Bioy”, Jovita Iglesias, fiel empregada da casa, amiga da família e que trabalhou com o casal por quase cinqüenta anos. “Tenho um defeito, Jovita, uma grande debilidade: gosto tanto de mulheres, que se a um pau de vassoura fantasiassem de mulher, iria atrás desse pau de vassoura.” Esse tipo de confissão não era raro para ela, mas não acontecia com amigos como Borges, onde autores, obras e escritos eram quase a exclusividade dos temas das conversas. E por esta popularidade e fama é que a dedicatória que fez no exemplar do livro “Cuentos breves y extraordinários” (Editora Losada, 2º edição), recompilada juntamente com Jorge Luis Borges, toma uma dimensão diferente.

Nele textualmente está escrito:

“Para Nora Mónica Marcalain,
muy cordialmente
Adolfo Bioy Casares (sua assinatura), 1980
44 - 6586 después de las 11 a.m.”.


O telefone aparece riscado uma vez e logo escrito novamente de forma clara... Não vou indagar nem querer saber quem era a tal Nora... Mas arrisco a perguntar: - por que junto a uma dedicatória, um telefone e até o esclarecimento da melhor hora para ligar? Que telefone era esse? Por que depois das 11 a.m.? Por que tudo isto escrito num livro e não numa outra folha qualquer? Qual é o verdadeiro sentido deste recado? Por que parecendo uma coisa tão pessoal e atenciosa, Nora Mónica Marcalain, se desfez dele? Talvez o tempo tenha apagado o interesse, ou faça parte de um passado que não faz questão lembrar. Por que está comigo como mais um livro-filho desarraigado? E eu cobrando ainda alguma ingênua explicação...

Perguntas que talvez não tenham nunca uma réplica coerente.

“A vida consiste em adaptar-se à incoerência”, com certeza me responderia. Mesmo assim parece curioso, e de fato o seria, em circunstâncias normais.

Coincidentemente (ou não) tenho uma folha original das memórias de Bioy (que publicou em 1994 com também alguns bastidores amorosos). Nela, claramente altera e emenda, corrigindo à mão com sua caneta, algumas palavras do texto escrito à máquina. Comprei de um antigo colecionador de livros, documentos e manuscritos em Buenos Aires. Casualidade também ou não, seu escritório fica defronte ao apartamento de Borges, na rua Maipú. Por ironia do destino, justamente nessa folha, conta que seu interesse pelos sonhos começou quando seus pais tiraram dele um cachorro que tinha ganhado numa rifa. Eles, que não queriam o bicho, asseguraram que não existia o tal cachorro. Que possivelmente o teria sonhado...

A tal ironia é que tanto no manuscrito que tenho como no livro depois publicado, o nome do cachorro era “Gabriel”. Provavelmente, uma fantástica e premeditada vingança no tempo, por possuir agora justamente o livro que faz jus àquela fama de conquistador... Ou estarei novamente fabulando? “A gente afirma que muitas explicações convencem menos que uma só, mas a verdade é que para quase tudo existe mais de uma razão.”, justificaria. E seria uma boa saída para esta história de amores, literatura e memórias.

“Que agradável seria a vida se terminasse um pouco antes da morte...”, disse na voz de uma das suas tantas personagens. O último aristocrata das letras argentinas faleceu aos 84 anos em 1999.

Mas sou o “cachorro” que espalhou a tal dedicatória, o telefone e recado... Que possui o referido volume e divulgou mais esta “prova”.

Estamos quites agora.

Desculpa, Bioy...

Obs: A citada folha autografada do livro e o manuscrito corrigido de Bioy Casares continuam comigo para atestar a veracidade ante qualquer cético leitor.




(Do meu livro "Borges e outras ficções") 

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Daquilo que não sentimos quando rezamos

                         
Veio de criança para o país. Ninguém mais conseguia distinguir algum sotaque. Muitos nem sabiam que era estrangeiro, por isso ficaram surpresos quando, no dia que faltou sua companheira, pediu para rezar naquela língua desconhecida por todos.

- As orações que aprendemos na infância, são impossíveis senti-las em outro idioma - justificou.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

De onde para onde pulastes, David?

No próximo mês de setembro completa-se mais um ano do suicidio de DFW. Segundo o laudo da polícia ele pregou um cinto num suporte de madeira do telhado dos fundos do quintal da casa, amarrou seus punhos com fita adesiva, morrendo lentamente sufocado. Tinha dito que não é mera coincidência que adultos que se suicidam com armas de fogo quase sempre atiram na cabeça. Apontam e atiram no terrível mestre. E a verdade (era verdade?), é que a maioria desses suicidas estão mortos muito antes de puxarem o gatilho.
Não estavas morto David. Estavas? De onde para onde pulastes? Os jornais dizem que foi depressão. Depois de traduzir, escrever e interpretar tantas pessoas deprimidas. A forma e textura da sua dor, os sistemas de apoios, fragilidades: “A pessoa deprimida estava com uma dor terrível e incessante e a impossibilidade de repartir ou articular essa dor era em si um componente da dor e fato de contribuição para seu horror essencial”.
A crítica já tinha dito que poderias fazer o que quisesses: algo triste, divertido, descabido, arrebatador ou absurdo com igual mestria; tudo ao mesmo tempo. E o pior é que você o fez, David. Com certeza teve algum pedido de ajuda que não soubemos ler, pensamos que era simples e genial criação literária. Afinal, o que você considerou David? Qual foi tua verdade de v maiúsculo que decidiu como ias tentar ver? O truque não era mantê-la evidente na consciência diária? Vidas distintas, distantes, dias ausentes como dias iguais. Já tinhas antecipado que a verdadeira liberdade é a constante e torturante sensação de ter tido, e perdido, alguma coisa infinita. Perdemos todos, David, mas tua literatura foi mais importante que tua morte.  Isto continua sendo aquela água para o peixe, que como tudo o essencial, passa inadvertido, permanece escondido para nós, e não conseguimos enxergar por obvio e absoluto. Mas é vital, David, é vital. Isto é água! Lembrar e reconhecer sempre que isto é água!  Mas que também é só mais um lugar comum e banal, como teu refugio preferido, as extensas e exaustivas notas de rodapé.
Teremos apenas que lembrar que nossas trincheiras diárias, comuns, triviais, podem ter a importância de vida ou morte.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails