ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Vira

Vira
teu relógio de areia,
de presente e passado,
que este grão
fica,
se demora na queda,
se exprime
de joelhos pelados,
e no vidro
que esvazia,
disse adeus
em voz baixa
e não passa
pelo estreito funil
que tantos
já passaram.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Na leitura

Ao ir
estarás sozinho
quando as horas
também partam
de ti.
Palavras
arrastam outras
(que outras coisas fazem,
além do que fazem?),
tão inúteis no seu empenho,
entre arritmias e saliva,
fogo triste,
que acaricia e alimenta.

E
na intempérie mais segura,
onde não te reconheças,
na frágil escada da página,
o poema parecerá contigo.

sábado, 22 de janeiro de 2011

Deixo e levo

Si muriera esta noche
si pudiera morir
si me muriera
Si Muriera Esta Noche (Idea Vilariño)


Deixo
minha ansiedade por céus,
o costumeiro ar de espera,
a cinza do poema
(no curso de suicida),
uma fala (a mais solitária),
a palavra contida,
meu grito em off,
a porta entreaberta,
o ontem, o apesar e ainda
(como se nunca),
a rotina de estar vivo,
meu corpo mínimo, imediato,
a conspiração do espelho,
a exigência por detalhes,
a voz que quiçá foi minha,
o vestígio passageiro da pisada
(tão descalço),
a fumaça do tempo que confunde tudo,
o que não entra na palavra,
um tapa na água,
a dúvida da culpa,
a pele tão fina para quem soube me olhar,
e
a certeza que após a ultima garfada
resta ainda a fome,

Mas essencial
                   mente,
o que antes não sabia.

Ou tudo parte
ou se parte
quando nos vamos?

Porém levo
a volta a meu centro,
o quebra-cabeça incompleto,
e talvez, escondido,
algo de surpresa e espanto,
para finalmente saber
se tudo,
não era nada disso.

E essa nada
no lugar errado.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

domingo, 16 de janeiro de 2011

Ofício

Minha escrita,
como alguns palhaços,
já não precisa maquiagem.
Sabe como ouvir-me,
ouvir-se,
sem aparentar dor.
É o seu ofício.

É tarde
e te entrega ao abandono.
O frio traspassa a cortina.

Não escutes o que escrevo,
não bebas desta sede.

As palavras se foram
para chamar-te amor.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Suicida






Meu último tiro
fará que finalmente
levante
meu corpo
para o mundo
que desaba
ferido
         de bala.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Letra de tango de música inexistente

Cansei do teu corpo
que passa e nunca chega.
De palavras
esperando um osso,
de trocar esta espera
de cadeira em cadeira,
que o castelo de areia
seja apenas pra mim.

Cansei, cansei.

Já sei, hoje a língua te fere,
prova um pouco da febre,
finge a dor da tua voz.
Dança como sempre,
acena que já passou,
canta e celebra o fim,
canta como se fosse importante,
cantar por mim.

Cansei, cansei.

Cansei do teu corpo
de faca que já não corta.
Da opção B
do teu pouco,
de tantas despedidas,
de vinagre nas feridas,
de jogar esta partida
que, sabes, já perdi.

Cansei, cansei.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Repartindo o silêncio

Chamo cada vez menos.
E quando chame,
não responda.
Cego, palpo palavras,
passeio minha escuridão,
sorvo meus lábios,
sampleio a voz.
A escritura não me cura.
Mudo, anuncio-me como a fome,
doendo,
como uma longa espera.
Se o telefone não tocar,
sou eu.

Com medo,
repartimos o silêncio
como a falta,
como algo roubado e
sujo.

Como
a palavra não.

(Não) atenda.

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