ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Homenagem a Alejandra Pizarnik

Particularmente não gosto de escrever (nem ler) poemas longos... Neste caso, não tive como medir sua extensão. Peço desculpas, mas acredito que está justificado...


Para Alejandra Pizarnik.
(Inspirado num poema de Olga Orozco e nos
diários da própria Alejandra)

Sei, Alejandra,
a rebelião continuará
em observar uma rosa
até os olhos se pulverizarem...

Mas chegaste cedo, infantil,
Antecipando, em pequenos versos,
o silêncio
que viria.

Citando de memória
a nunca tão bela!

Existia uma lâmpada que um anjo segurava
na cama triste de sanatório
e alguns comprimidos que tomaste
esperando acabar a espera
para aquele abismo
da flor e seu jardim,
de escrever com o corpo todo,
para dar sentido ao sofrimento;
nua na página em branco,
teu sexo, tanto medo e
um céu ausente, sem nome,
substituível.
Abraçando cada noite
uma frase apenas tua.
A obra de sombras:
cansaço, mar, sangue,
relógio, barco, pássaro...
As mesmas palavras te consomem
e atravessam as minhas.

E sabias
que no fundo dos lugares,
sempre há um jardim,
também denso, intenso,
profundo.

O jardim do jardim.

Parêntesis das coisas mortas.
Solidão exasperada, de asas,
perigosa.

Amas a noite na tua noite,
que fica o tempo certo para repetir
e repetir: é de noite,
e que assim seja,
que seja ela, sem desmentidos.
Insônia, abandonada,
aquela música de Janis Joplin,
fumando, sozinha no quarto,
bebendo, chorando, amando
o que se faz carência.
Dói o espelho onde te olhas,
pesa este desamparo.

Onde guardar tantos papéis?
E os lápis de cor?
Como morrer de presença?
Onde pôr aquela flor?

Queria te ajudar
a não pedir ajuda.
Mas
a verdade é este pouco a pouco
que te extingue devagar,
um jardim onde não se respira,
uma distância enlouquecida,
um correr para apenas
não chegar.
Perdes o que necessitas arrastar
para não morrer de angústia.
Mas
encurtaste a viagem
da carne, do poema,
engolindo tua sede
de não ter escolhido a vida,
de perder-te, fugir, no medo e na loucura
de ‘não querer ir nada mais que até o fundo’.*

De esperar mais nua que a morte,
que uma palavra.
Que o fundo deste jardim.
De confessar que cada noite
esqueces de suicidar-te,
Esqueces...
Esqueces.
 
Até que um dia lembras
e partes... Até o fundo
da última esperança.

Pequena passageira.

(* Frase que deixou escrita no quadro negro do apartamento na
noite do seu suicídio)

 

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Pássaros mutilados

que não cantam,
que não voam
e esquecem a distância,
dançam no teu rosto.


Sei,
apenas eu enxergo-os.


No entanto,
é tão grande sua insistência...

domingo, 24 de outubro de 2010

Do outro não falo

Não.

Não tenho fé na palavra.
O dizível é o mínimo
daquilo que quero dizer.

Do outro não falo.

Apenas da sombra
que o grito provoca e deixa.
Do que evapora e dorme profundo,
das fotos de costas,
das moscas no abandono do céu
ou a porta estreita da casa imensa
por inabitada.



Do outro não falo.

Apenas das letras nunca lidas
na fumaça do frio.
Do além de si mesmo,
da mesma dança da colher na taça.
Do livro no peito de quem dorme,
da cadeira virada,
da nada que antecede a dor,
ao tremor, ao fim.
Da caricia esquecida na tua mão,
e que eu segurei como se fosse
o ultimo galho
que me prendia antes de cair.



Bem ai:
          a falha
                   da palavra.



Do outro não falo.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Aposta do silêncio



Após uma aposta (que perdi), um poema dedicado a mim e o costumeiro silêncio como tema, a escritora Regina Carvalho publicou isto no seu Blog...


Leia Aqui

(Meu poeminha não chegou a tempo...)

Eu rio...
E tu,
com este silêncio
de mar.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Só a palavra não basta


A bom entendedor só a palavra não basta.

O ar que aspira,
e antecede a voz,
tropeça na língua,
levanta bandeiras,
chove saliva,
caricia o perto,
acende os lábios,
absorve gestos,
engole, morde

sem dizer ainda nada.

Sabe que o silêncio
é uma arma

carregada de vozes.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Há um livro esquecido no banco...


A cada ensaio os atores moldam as características da apresentação final


Um banco, uma praça, seis personagens e um livro. O roteiro teatral “Errante”, do escritor riossulense Gabriel Gómez, ganha vida nos ensaios realizados todas as quintas-feiras, na Fundação Cultural de Rio do Sul. A peça estreará nas comemorações da Semana do Livro.

A trama gira em torno deste curioso volume, esquecido em um banco, gerando discussão sobre a importância da poesia na vida e no cotidiano. Os personagens se revezam à medida que novos temas ganham espaço na peça.
De acordo com o diretor Kaio Gomes Bergamin, o texto original possuía somente dois personagens. “Ao estudá-lo, percebi que existem propostas diferentes no decorrer da peça, com início e fim. Desta forma, consegui ampliar o quadro de personagens sem sobrecarregar os atores”.
Os personagens são criados de acordo com a cena. “O texto nos deu essa liberdade”, comenta o diretor. Pela abertura que o texto proporciona, ele imagina que seria possível montar um espetáculo com até 20 atores diferentes. “Podemos imaginar, por exemplo, uma estação de trem, onde pessoas desconhecidas se encontram em torno deste livro”.

Do texto a peça
Bergamin conta que a evolução do texto para a encenação depende de três pontos específicos. Em um primeiro momento, diretor e atores fizeram uma avaliação do roteiro, procurando evidenciar os objetivos de cada personagem.
O “passadão” ilustra, na linguagem teatral, os ensaios, a marcação e a evolução corporal durante a apresentação. O terceiro ponto explorado é a entonação e a marcação vocal, onde os personagens demonstram a emoção suprimida no texto.
O diretor conta que alguns cortes foram fundamentais para maior dinâmica da peça. “É muito comum existir modificações entre o roteiro e a representação no mundo do teatro. Como ‘O Errante’ é um texto aberto, temos a possibilidade de suprimir ou acrescentar as falas sempre que acharmos necessário”, argumenta.

Após a publicação de três livros, várias coletâneas, alguns prêmios literários e ter sido homenageado como patrono da recente feira do Livro do Alto Vale, Gabriel Gómez, seu autor, conta que é sua primeira experiência escrevendo teatro: “Essencialmente é uma homenagem ao livro... Embora envolva a solidão e carência das pessoas, a falta de encanto essencial para encarar o dia e a indiferença de um modo geral... Foi e está sendo uma experiência gratificante, diferente de tudo que já fiz...”.

Há 10 anos trabalhando com teatro, Bergamin assume como um novo desafio trabalhar com o roteiro de Gómez. “Este é um texto extremamente poético, com linguagem diferenciada. Com certeza esta foi uma proposta diferente, a qual nunca tinha trabalhado”. Além disso, acha fundamental a valorização e incentivo do trabalho cultural do autor, que reside em Rio do Sul. “Temos a possibilidade de maior acessibilidade e interação com o autor, o que resultará em um trabalho diferenciado, de grande qualidade”, explica.

Os atores que representam “Errante” são: Ana Cristina Gaebler Loffi; Karoline Bergozza Zambom; Monique Sara Guber; Gisele Ferrãn; João Paulo da Silveira e Qiah Salla.

Credito – Rafael Beling (Jornal A Cidade)

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Um dia como tantos outros...


Não estava pensando
particularmente em nada.
Um dia como tantos outros,
uma tarde como tantos pássaros,
um passeio de ultima hora,
a paisagem repetida,
tanto nada,
e uma forma doce
para a mesma volta
de chegar e voltar.

Uma pausa distante,
inadvertida,
quase circular.
Sem perguntas, acelera,
breve; o vento na janela
devolve um constante adeus.

Talvez na boca, um nome,
como hospede, rondando,
sangrando como pele machucada.
Fugas contemplando esperas,
risada ferida,
ventilando a mesma ausência...
A quem pode interessar?
Não,
não estava pensando
particularmente em nada.
Não viu o carro na contramão.
Distraído, disperso... Caído.
Fatal de olhar perdido.
Sua alma travou a porta,
doendo.

Passeio de última hora?
Um dia como outros?
Imprevisto?
Não,
já não.

O acaso não existe,
destruiria o universo.

Implacável seu andar.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Não dizer


Silêncio:
A misericórdia da palavra.

Não é o mesmo não dizer
que dizer nada.

Como falar do que emudece?

sábado, 9 de outubro de 2010

Vento


Eu quero o vento
de estreitos corredores...
Aquele que leva, carrega consigo,
o próprio canto
daquilo sem nome.

Barulho de portas, dança sem rumo,
restos que voam, voo no espanto,
olhos apertados.
Céu azul sujo.

E com tanto vento, cai o dia,
foge de cores, punhos fechados,
diluídas, caindo luzes
de voar imóvel.

Eu quero o vento
sem pudor nem reserva,
aquele que cerca, aperta,
que alça tua saia,
e que finjo certo,
nem olhar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Em mim


Existe um lugar
em mim
onde nada acontece,
onde ninguém me enxerga
onde tudo morre
a cegas,
e nasce algo depois.
É gaveta vazia,
muda; antigo olhar,
voz íntima,
banco de praça na chuva,
urgência mal iluminada,
mutilada, suja,
cansada de si mesma.
O absoluto, o exagero,
caricia escura na pele,
falta de voz,
nomes inomináveis,
poesia inútil
de ir se apagando,
transformando-se em pó,
barro, raízes,
pulverização, esgotamento,
noite exasperada, fria,
coleção de palavras
que não dizem,
que não estão
que já não dormem
pelo espanto engolido
a seco.
Possessões inúteis,
como a sede
(é apenas o que tenho).
Este parêntesis é falso.
Onde a vida?
Todos os dias,
a certa hora.
Tudo acontece como se
realmente fosse assim.
Ir-me.
Tão só.
Este acento final me afunda
ainda mais.
Deveria ouvir-me dizer nada.
Eu vou.
Abre pra mim?

Grave.
Largo.
Piano.
Forte.

Ouvem?

Podem ouvi-lo?
Musicalizei meu grito.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Transparência


Para quando não sirvam as palavras,
nem confidencias de ouvidos,
nem páginas inteiras na memória
da língua,
tenho uma triste,
minúscula transparência,
(não sinto medo de dizê-lo)
bem no meio desta linha,
desta fala
e desta outra.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Conversas sobre literatura



A partir desta segunda feira, fui contratado pelo SESC de Rio do Sul para dar uma serie de conversas-debates (para alunos do terceirão e convidados), sobre alguns escritores latino-americanos.
Agradeço aos responsáveis do SESC pela confiança depositada para desenvolver este gratificante trabalho.

O primeiro autor será o uruguaio Mario Benedetti.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Tradução


Meias palavras, olhares,
gestos apertados,
refúgios, silêncios,
segredos no vapor do ar.
Tudo aquilo que veste
e despiste a pele de nossas carências.
Do que falta. Do que falha.

O desejo.
Onde não estamos duas vezes iguais.
No não dito, no sussurro da mímica
que ostenta uma geometria sem nós.
Há uma corda com roupa seca
na casa abandonada,
e nela, uma calça guarda
um abismo no bolso.
Há outra corda feita de nó.
Nela amarro cada porém,
cada entretanto e todavia.
E volto a desamarrar.
A tradução é minha,
enquanto leio e
vejo que dormes.

O amor come da sua memória.

Tentar, etc...

Voltar,
onde nada sempre nos espera.

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