O escritor argentino, mas riossulense de coração, Gabriel Gómez ficou surpreso ao folhear as páginas do jornal periódico “Rascunho”, um dos principais veículos de comunicação do segmento literário e que é veiculado nacionalmente.
“Uma das qualidades evidentes de A culpa é do livro de Gabriel Gómez é, sem dúvida, o de privilegiar o ato da leitura como formador ou, em alguma medida, deformador da identidade dos mais diversos leitores que protagonizam suas dez curtas narrativas. Para usar um termo do apresentador da obra trata-se, enfim, de um exemplo magnânimo de ‘livrocentrismo’, em que a erudição bibliófila do autor salta aos olhos...”. Esta é a introdução da crítica produzida pela escritora Maria Célia Martirani, texto que ocupou metade da página 6 da edição de dezembro do jornal.
Ela destaca que “... é uma obra bem inserida no contexto da literatura contemporânea, que elege como central a reflexão de cunho metaliterário, em que o ficcional é matéria-prima de diálogos intertextuais”.
Maria fala também sobre a forte inspiração do autor, onde se evidencia o jogo espectral, onde Jorge Luis Borges norteia boa parte do sumo destes contos. Dois foram destacados pela escritora: “Um clássico”, em que o “protagonista, numa viagem de ônibus, lê concentradamente um livro, quando a seu lado senta-se uma mulher que lhe desperta a curiosidade pelo fato de estar, também ela, lendo em silêncio. [...] Duplos anônimos que se projetam, espelhos que se duplicam, eu e o outro, imagens espectrais de um único ser que, mesmo sendo um só, jamais é único...”. O outro refere-se ao “instigante O bilhete perdido, em que ávido leitor desespera-se à procura de um bilhete que ele mesmo teria escrito e deixado dentro de algum volume, do qual não se recorda.”
Segundo a crítica da autora, em todas as situações, “o livro é o pretexto e o texto ao redor do qual transitam seres embriagados, ao limite do fetiche, por seu cheiro, seu encanto, que quase sempre leva ao desencanto ou – quixotescamente – à loucura.”
O conhecimento literário do autor também é lembrado pelo texto de Maria: “pela vasta erudição de um autor, que quer se fazer conhecer por um pertencimento à clássica tradição dos que assumem como legatários ou interlocutores privilegiados dos grandes nomes da literatura”.
Para o final do texto não faltam elogios referentes ao livro: “Uma obra coerente com o que Borges teria afirmado em certa entrevista, ao mencionar que deixava aos outros que se vangloriassem dos livros que haviam escritos, enquanto a sua glória, diversamente, residiria nos livros que ele havia lido. [...] Culpados ou inocentes, livros, leitores e o universo da leitura de Gabriel Gómez roubam totalmente a cena. Às vezes, porém, de modo tão veemente, que nos fazem perder o foco a singeleza despretensiosa de histórias que narram leves, como águas de riachos, e que, por serem afluentes, nem por isso deixam de ter o brilho dos rios caudalosos e principais.”
(Texto do jornalista Rafael Beling, publicado no Jornal A Cidade.)