ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Do outro não falo

Não.
Não tenho fé na palavra.

O dizível é o mínimo
daquilo que quero dizer.

Do outro não falo.

Apenas das voltas da chave na boca,
da sombra que o grito deixa,
do que acaricia o olho,
dos beijos acumulados, interiores,
sem gastar.

Do que evapora e dorme profundo,
das fotos de costas,
das moscas no abandono do céu
ou da porta estreita da casa imensa
por solitária.

Do outro não falo.

Apenas das letras nunca lidas
na fumaça do frio.
Do além de si mesmo,
dos cachorros perdidos,
da mesma dança da colher na taça.

Do livro no peito de quem dorme,
da cadeira virada,
do nada que antecede a dor,
ao tremor, ao fim.

Do outro, naufrago.
Deve existir outra maneira de calar-se.

Da caricia esquecida na tua mão,
e que eu segurei como se fosse
o ultimo galho
que me prendia antes de cair.

Bem ai:
         a falha
                 da palavra.

Do outro não falo.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Somos nos outros

Provar-se vidas alheias,
em alheias roupas
e pulsos.
Dissimuladas em nomes,
escondidos em ruídos,
sangue, tinta
e modos da dor.

Provocar-se
em palavras de outros,
imediatos, seguintes,
em outras vozes íntimas
que já parecem nossa voz.

Somos tantos (todos)
nos outros.

Ouve.

Quer dizer-nos algo...

Estamos nus.

(Eu me cubro com uma metáfora,
quase todas as noites,
com este mesmo som.)

domingo, 19 de junho de 2011

Ela

Ela tenta completar-se
com ele dentro.
Ele apenas despeja seu vazio.
Ela continua incompleta.
Ele cruel.
Ela crua.
Ele expira.
Ela guarda.
Ele esquece.
Ela floresce.
Ele não importa.
Ela aprende
que nem tudo sai
se desaparece.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

25 anos sem Borges...

No passado dia 14, há 25 anos morria Jorge Luis Borges. Inúmeras homenagens, leituras, edições e publicações aconteceram em Argentina e diferentes países.
Possivelmente o mais importante tributo seja em Veneza, que inaugura um labirinto com seu nome, com três quilômetros de pequenas árvores, de 75 centímetros de altura, sobre uma superfície de 2,3 mil metros quadrados.
Poderia escrever ou lembrar diferentes pontos de vista da sua personalidade, obra ou folclore, tão aproveitado nas diferentes rodas literárias que eternizam seu nome...
Preferi indicar um roteiro diferente de Buenos Aires, aquele que trata de alguns lugares que tanto aparecem nos contos, poemas ou fizeram parte da sua vida. Para isto a secretaria de turismo de Buenos Aires realizou um percurso com 25 paradas oficiais.

Conheça todo ele (em espanhol), AQUI.

Boa viagem...

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Rastro em mim

Uma lembrança em branco
resiste no teu nome.
Respiração artificial,
letárgica,
sem memória, letras
nem cores mentirosas.

Apopléctico de ti.

Chaga efêmera,
céu amordaçado,
boca dentro do afeto desaparecido.

Algo menos que
alguém que já não está. (mentira!)

Mentira,
não é preciso repeti-lo.
Não é tão simples este
silêncio de corpos,
de fúria, ausência recorrendo-me.
Imagem rasgada que volta, muito.
Voltas, despida, tanto,
como se não tivesses ido,
acesa, intensa,

rastro em mim.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

quarta-feira, 8 de junho de 2011

A poesia como liberdade e experiência do ser


Mesmo que o Blog seja "Escritos do Gabriel", acredito tanto na verdade deste texto de Antonio Cicero como se eu mesmo o tivesse escrito... (quem me dera...)
As frases em destque são minhas, a verdade, universal...

Por Antonio Cicero

Vivemos numa época que — com a internet, os computadores, os celulares, os tablets etc. — experimenta o desenvolvimento de uma tecnologia que tem, entre outras coisas, o sentido manifesto de acelerar tanto a comunicação entre as pessoas quanto a aquisição, o processamento e a produção de informação. Seria, portanto, de esperar que, podendo fazer mais rapidamente o que fazíamos outrora, tivéssemos hoje à nossa disposição mais tempo livre. Ora, ocorre exatamente o oposto: quase todo mundo se queixa de não ter mais tempo para nada. Na verdade, o tempo livre parece ter encolhido muito.

Acontece que, de maneira geral, a fruição de um poema exige mais tempo livre do que a fruição de obras pertencentes a outros gêneros artísticos. Não precisamos nos concentrar numa canção ou numa pintura ou numa escultura ou na arquitetura de um prédio para que elas nos deleitem. Podemos apreciá-las en passant. Não é assim com um poema escrito. Quem lê um poema como se fosse um artigo, um ensaio ou um e-mail, por exemplo, não é capaz de fruí-lo. Para apreciar um poema é necessário dedicar-lhe tempo.
O fato é que, numa época em que todos se queixam de falta de tempo, é evidente que sobram argumentos para aqueles que pretendem não haver mais, na nossa época, lugar para a poesia. E não são poucos os que hoje afirmam que a poesia ficou para trás: que foi superada pelos joguinhos eletrônicos, por exemplo.
Pois bem, penso o contrário. É exatamente nesta época de aceleração desembestada que a poesia mais se faz desejável. Por quê? Porque o que me parece inteiramente indesejável é a aceitação passiva da inevitabilidade do encolhimento do nosso tempo livre.
A verdade é que, se praticamente não temos mais tempo livre, isso ocorre porque praticamente todo o nosso tempo — mesmo aquele que se pretende livre — está preso. Preso a quê? Ao princípio do trabalho, ou melhor — inclusive, evidentemente nos tais joguinhos eletrônicos —, do desempenho. Não estamos livres quase nunca porque nos encontramos numa cadeia utilitária em que parece que o sentido de todas as coisas e pessoas que se encontram no mundo, o sentido inclusive de nós mesmos, é sermos instrumentais para outras coisas e pessoas.
Nessas circunstâncias, nada e ninguém jamais vale por si, mas apenas como um meio para outra coisa ou pessoa que, por sua vez, também funciona como meio para ainda outra coisa ou pessoa, e assim ad infinitum. Pode-se dizer que participamos de uma espécie de linha de montagem em moto contínuo e vicioso, na qual se enquadram as próprias “diversões” que se nos apresentam imediatamente.
Em tal situação, parece-me que uma das poucas ocasiões em que conseguimos romper a cadeia utilitária cotidiana é quando, concedendo a um poema a concentração por ele solicitada, permitimos que ele “esbanje” o nosso tempo. Configura-se então um espaço-tempo livre, isto é, um espaço-tempo que já não se encontra determinado pelo princípio do desempenho. Afinal, a rigor, o poema não serve para nada. Ou bem a leitura de um poema recompensa a si própria, isto é, vale por si, ou não vale absolutamente nada.
É nesse espaço-tempo livre que nos deleitamos em flanar pelas linhas dos poemas que mereçam uma leitura ao mesmo tempo vagarosa e ligeira, reflexiva e intuitiva, auscultativa e conotativa, prospectiva e retrospectiva, linear e não-linear, imanente e transcendente, imaginativa e precisa, intelectual e sensual, ingênua e informada. E, para tanto, deixamos que em nosso pensamento interajam e brinquem uns com os outros todos os recursos de que dispomos: razão, intelecto, experiência, emoção, sensibilidade, sensualidade, intuição, senso de humor, memória, cultura, crítica etc. Desse modo, a leitura de poesia proporciona apreensão alternativa — e poderosa — do próprio ser.
Em todo caso, foram semelhantes reflexões sobre o sentido da poesia no mundo contemporâneo que me motivaram a conceber uma série de palestras proferidas por alguns dos teóricos e/ou poetas que tenham pensado de modo profundo e original sobre essa questão.


ANTONIO CÍCERO é filósofo e poeta

sábado, 4 de junho de 2011

Como se estivesses

Estendo a tristeza na mesa,
como um mapa
feito a mão, demarcado.
Como eu.
Pedacinhos de palavras
que já foram
minhas cortinas,
o cheiro da roupa,
dias, frio,
papeis vencidos,
boca vazia dizendo,
chamando,
apagando as luzes
como numa casa,
outra casa, que já não existe,
que copia, altera
tua voz,
como se fosse tua,
como esta.
Olhando-te olhar,
como se estivesses.

Como estás.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Exilados


Sobre textos de Juan Gelman, Bajo la lluvia ajena.
Poeta, jornalista e tradutor argentino.
Vencedor do Prêmio Cervantes
(o mais importante da língua espanhola) em 2007.
Na ditadura, seu filho foi sequestrado e desaparecido,
junto com sua nora que estava grávida.
Ficou exilado por doze anos.

A ele.

Exílio é salto forçado, não é mesmo, Juan?
É aquela vaca que pode dar leite envenenado
e assim mesmo nos alimenta, e não.

Desamparo de viver na intempérie,
embaixo da chuva alheia.

Sobreviventes de negações, de livros queimados,
de urubus azuis, anos de chumbo;
mutilados por ir-se, mortos por ficar.
E a dor fica.
Fica,
estrangeira,
chegando cedo, mesmo antes que nós,
pois já está aonde iremos.

Alma encolhida na mala, mudamos de país,
trocamos de roupa,
de palavras e pão; de fila para os sonhos que deixamos
                                                      [em casa, agora revirada.
Adeus, quase adeus...
O céu não é o mesmo? Acaso não é o mesmo sol?
E o tempo?

O tempo é o de não tornar-nos outros.
Terão vencido se não conseguimos ser os mesmos.

Somos os que nos vamos, os que se foram e os que não,
que desapareceram, mas ficaram.
Alguns, muitos, enterrados no mar,
cadáveres expostos do flagelo, do terror e medo
que contam quanto custou cada palavra, dita e não.
Cada um repetindo sua prosa, como oração,
antes de cair numa triste vala comum.

Assim como desapareceu teu filho, não é, Juan?
Mas sempre volta e volta e parece nunca cessar,
como se não tivesse acontecido nada,
como se não tivesses que explicar-lhe sempre
e cada vez que volta, que está morto. Que não está.

E partimos por eles, fugimos de nós.
E por isso nos guardamos na tormenta,
num exílio interno, intenso, como a morte,
como erro, como outro cheiro.
Em idiomas de não estar,
de ruas alheias, sem luminárias,
tropeçando, perdidos em gente e turnos de espera,
de misturas de passado e porvir,
de pássaros que cantam distantes, parecidos,
mas não igual.

E se de todos, nos separa uma ferida,
como envergonhar-nos das tristezas,
                                           [da raiva que cresce para dentro,
do relógio parado como um rio, desesperado?
Como pedir licença do amor triste do talho arrancado
                                                                                  [pela força,
mas sem raiz? Era para conseguir voar amarrado ao chão?
Cadê nossas mãos? Onde foi parar a flor?
                                                          [Onde cultivar o jardim?
Onde agora pôr os pés?
Do que eram, respiram e ardem derramados, sozinhos,
como esquecimento.

Onde encaixar as cinzas que ficam no ar e não caem?
Nunca conseguimos tirar a terra e esse enorme silêncio
que fazem nossos passos (quando distantes).
Somos todos os pós que levantam nossas sandálias
                                                                       [peregrinas,
os desejos, a nostalgia e seus cacos nos bolsos
                                                  [que não coincidem mais.
Refazemo-nos no espanto pelo nojo daquele veneno,
mãos com sangue em pedaços, indiferença, lágrimas
                                                                      [negras.
Mas estamos vivos, de costas a nós mesmos, mas vivos.
Com o ar que nos toca. Terra, água, vento, fogo.
Somos aquele cachorro que late e chora para a lua,
                                                                     [amassada,
consumida a cada noite.
Trocamos o rosto, o amarelecido do vento da memória
                                                                      [corrigida.
Inventamos a versão da felicidade para salvar-nos,
amamos e ardemos pelo que nos dá, e não.

A solidão conversa generosa e insaciável;
resiste o sorriso terno, calado, como atores mudos.
Onde pôr agora nossa voz futura do passado?
Onde
nossa voz?
Desbordamos a história. Não alcança o grito.

Viemos por eles, voltamos por nós,
carregando o que deixamos: amigos, pátria, mortos,
num mapa ainda possível, para proteger o que ainda nasce,
revirar a terra de mãos juntas e
bater na mesma porta quebrada.

Temos os dias contados.
Cegos, não dizemos ver o que vemos.
Medimos diferente o tempo, a distância
e a esperança que poderia encostar.
E soltamos o delicado fio da vida
bem lentamente,
aos poucos,

mas sem parar.

(Quem disse que tudo está perdido?
Eu venho oferecer meu coração...)


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