ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Blog do além

Uma vez escrevi na Revista de Divulgação Cultural da Furb que “Injustamente se popularizou a Borges um grosseiro equívoco, que tende a esfumar sua literatura com o trivial, o do poema que nunca escreveu: Instantes (Se eu pudesse viver novamente minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros...), de autoria da norte-americana Nadine Stair.”
Naquele texto, que ocupava quatro páginas, fiz um percurso pela sua verdadeira literatura e obras... Mas não é que agora Jorge Luis Borges (do além) também tem Blog e aproveita para criticar esta apócrifa autoria!

A Internet é uma praga. E um dos seus maiores vírus é o poema “Instantes” incorretamente atribuído a mim. Gostaria saber como esse ato apócrifo começou. Deve ter sido alguém que, ao ler o poema (sic) gostou muito de ser auto-ajudado e resolveu passar a adiante. Como não quis ser julgado por sua baixa erudição tascou logo abaixo, ao som de cornetas e taróis, Jorge Luis Borges.”, afirma.
Leia o texto completo no "seu Blog"
AQUI.
(para não ser injusto, também encontrei os Blogs de Kafka, Nietzsche, Pessoa, Machado, Sartre e Drummond, entre outros...)

Círculo de Leitura


Foto da minha participação do Círculo de Leitura de Jaraguá do Sul, uma iniciativa da Design Editora, Livrarias Grafipel, Editora da Associação de Poetas e Escritores e Editora do Centro Universitário, com apoio da Editora da UFSC.
Ele visa congregar escritores, artistas, professores, estudantes, pesquisadores, jornalistas e demais pessoas dispostas a alimentar e difundir a paixão pela leitura. O círculo se reúne uma vez por mês e consiste de uma conversa informal sobre livros com autores ou que estejam sendo lidos no momento pelos presentes e cada sessão é aberta por um convidado com reconhecida dedicação à leitura.
Agradeço a todos que renovam sua amizade e interesse a cada nova visita.
Já passaram por aqui, o poeta Alcides Buss, o escritor Maicon Tenfen, entre outros.

Cerimônias do Silêncio (3)

Diário

- Gostaria de poder ler um trecho daquilo que escrevi no meu diário – disse
- Nunca soube que você levasse um diário. Alias, sempre pensei que colecionasse cadernos escritos em branco. Embora tenha lido e gostado de algumas páginas e reprovado outras, não concordaria em conhecer suas intimidades, já que as tenho lido e não gostei.
- É verdade. Nunca escrevi um diário e nunca o faria, por isso gostaria de poder lê-lo. Quer ouvir?
- Sim, mas com a condição que leia só as páginas em branco.
- Está pedindo-me o impossível. Justamente essas são as mais íntimas, daí o motivo de ter apenas páginas em branco.
- [...]
- [...]
- Realmente são bastante reservadas e pelo trecho que acabou de não ler, indiscretas.
- É, por isso nunca as escrevi.
- Concordo. Mesmo assim deveria queimar todas pelas dúvidas de alguém tentar fazê-lo.
- Já o fiz.
- Mas se acabou de não lê-las!
- Não o tinha feito enquanto o fazia.
- Fez bem então. É por isso que não gosto de diários e nunca escreveria um.
- Eu também não.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Pequenas ficções (2)



Morreu acreditando nos seus sonhos
Foi enterrado num balão.

Poemas dos outros (3)

Preferi vir

"Por acaso
você aí recebeu um cobertor rosa,
uma pasta de dente,
uma escova?
Pois era a minha escova.
É que eu não tinha dinheiro
para comprar uma nova
e mandei a minha mesmo.
Não estou bem.
A sua mãe disse para eu ir
para a casa dela,
mas eu preferi vir para a porta,
fazer manifestação junto com as outras.
Te amo e juro:
jamais vou te abandonar".


(Trecho da carta publicada em jornal, agora separada por mim aleatoriamente, da namorada de um preso da penitenciaria de Araraquara - SP, após uma rebelião em 2006.

Veja AQUI qual é a proposta dos "Poemas dos outros")

Leiloam o único auto-retrato de Borges

O auto-retrato do escritor argentino Jorge Luis Borges será leiloado na Casa Bloomsbury Auctions da Cidade de Nova York. Ele pertence à coleção de Burt Britton, quem trabalhou nas livrarias Sheridan Square Bookstore e The Strand de Manhattan.
Segundo a nota do Site "Escribirte", Borges, já cego, utilizou um dedo para guiar a caneta que segurava com sua outra mão.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Pequenas ficções


Ele quebrou o espelho onde ela sempre gostava de se ver.
A mancha de sangue do seu bolso
é da parte que guarda a imagem do rosto dela.
(do meu livro Borges e outras ficções)

Cartas e diários (1)

Não existe um livro de correspondências do poeta catarinense Lindolf Bell (1938-1998). Mesmo assim, guardo postais e cartas que trocamos na década dos 90. Gostava de reaproveitar envelopes que recebia, ou escrevia nos papéis de carta do projeto com fotografias de Lair Bernardoni. Conservo também algumas camisetas (corpoemas) e adesivos com imagens de Cao Hering que também traziam seus poemas. Em todas as assinaturas, o desenho estilizado do seu girassol. Uma delas é de agradecimento: "... de portas abertas. E coração.", e registra quando organizamos com a Fundação Cultural, sua vinda para declamar poesias em praça pública (sua Catequese Poética, iniciada em 1964) no calçadão de Rio do Sul, enquanto eu sobrevoava de ultraleve (!?), jogando livros, folhas e cartazes com seus poemas para o público reunido no local. "O que o coração sabe, o poema sabe antes...". Quantos encontros depois, jantares recheados de poesia, visitas à Galeria Açu-Açu e até a compra do quadro de Juarez Machado do seu acervo...
Numa dessas postais está o poema: "Enquanto dois peixes, dois pássaros, dois homens, fizerem do sonho\ o sonho de vários peixes, vários pássaros, vários homens\ permanecerá vivo o sonho de solidariedade entre os homens".
Constatamos a verdade das palavras de Paulo Leminski: "Nunca tinha visto ninguém dizer poemas tão bem, com tanta intensidade, tanta garra, tanto domínio de voz, do gesto e do sentido. A Catequese de Bell, a vanguarda da palavra dita, é um tempo forte dessa efervescência".
Não esqueço sua felicidade na hora de tantas homenagens... E a nossa.
Em 1994, junto com 13 colegas, lançou 150 poemas em garrafas no rio Itajaí-Açu... Sem dúvida, outro efetivo e poético modo de correspondência.
Sua sensibilidade, humildade e arte deixaram saudades.
"Faço um poema... me desfaço". E a poesia o recria sempre.

domingo, 27 de setembro de 2009

Revista Cultural HugA!


Quero agradecer aos responsáveis pelo Site HugA! (Abigail, em especial) pelo post dedicado a este novo Blog.
A turma faz um ótimo trabalho para mostrar toda atividade cultural da nossa região. E é assim como eles se definem: "A Huga! vem pra interligar e revigorar a falta de comunic(ação). Comunicar a ação, o acontecido, o que acontece ou o que vai acontecer. Contudo, queremos em harmonia relatar os acontecimentos culturais de Rio do Sul e região... ou até onde nossas asas de uma geração já borboleta alcançarem.
Nós? Desatadores de nós sociais e beirando a não aparência de egoísmo quaisquer, descrevemo-nos como um todo: atores, designers, jornalistas, desenhistas, fotógrafos, artistas, arteiros, curiosos, observadores, revolucionários, apaixonados, espontâneos... cairia eu em pieguices, mas não só de adjetivos se fazem uma equipe de pessoas supostamente brilhantes."
Muito obrigado pela nota... Veja ela AQUI.

Cerimônias do Silêncio (2)


Contida

Dentro da caixa, aprisionada,
outra caixa,
quebrada, socada nas formas,
por ser maior que aquela que a contém.

Assim a lembrança
em mim.

sábado, 26 de setembro de 2009

Meus encontros com Borges

Em três oportunidades diferentes tive o privilégio de ver e sentir a presença do escritor argentino Jorge Luis Borges em Buenos Aires. Todas, nos primeiros anos da década dos 80.
A primeira foi numa das tantas visitas à tradicional “Feira do Livro” que ano após ano programávamos com alguns amigos. Por saber de nossas preferências e diferenças literárias, permanecíamos algum tempo juntos e logo cada um tomava seu rumo, tentando descobrir achados literários ou se demorar mais em determinadas editoras ou em certos livros recém lançados. Numa dessas voltas pelos inúmeros labirintos de gente e livros, uma particular e gigantesca fila estendia-se com inúmeros leitores com livros nas mãos. Tentando encontrar onde começava a fila, e ver quem merecia tanto tempo de espera, caminhei em direção ao princípio da mesma. Uma enorme multidão rodeava Borges. Maria Kodama, que naquela época era sua secretária particular, vindo a se casar com ele algum tempo antes da sua morte, em 1986, colocava pacientemente cada livro embaixo da sua caneta para que o escritor cego o autografasse com sua diminuta assinatura. Quando lembro da enorme fila, da sua assinatura e do sorriso que se desenhava em seu rosto por cada comentário dos inúmeros leitores que Borges atendia de forma paciente, também lembro o que um dia comentou acerca disso: “tenho autografado tantos exemplares dos meus livros que quando morrer vai ter grande valor aquele que não tenha assinatura nenhuma.”. Será que ironicamente eu posso então me dar por contente pelo menos por isso? Naquele instante, olhando sua inesquecível figura e sua disposição, tive minha primeira escolha literária na prática: fazer ou não a primeira fila para comprar qualquer um dos seus livros, para depois fazer a outra enorme e demorada fila para pegar seu almejada dedicatória e talvez encarar a fera de frente?
Numa daquelas rápidas resoluções que poderemos nos arrepender a vida toda (como efetivamente depois aconteceu...), preferi continuar visitando a feira, já que senão iria gastar quase todo meu tempo fazendo unicamente essas duas filas e mais nada. Um universo de livros estava a minha espera... Naquela época da juventude o tempo parecia passar diferente. Ele não tem a fugacidade do imediato, pensamos que tudo irá durar para sempre e que sempre haverá infinidade de outras oportunidades para fazer todas as coisas. Ledo engano. Embora tenha tido mais duas ocasiões como poderão ver... Naquela noite, apesar de não ter levado o livro autografado por Borges, levei gravado seu sorriso. Um sorriso diferente, estampado em diversas fotografias que vi em inúmeros jornais, revistas, livros biográficos e obras comentadas, que ainda hoje permanece gravado. A imagem da sua mão cega assinando um autógrafo minúsculo, cobiçado, perdido na página.
A segunda vez foi na tradicional livraria da “Galeria del Este”, em frente a seu apartamento no sexto andar do edifício de número 994 da rua Maipu. Eu trabalhava a duas ruas dali, separados pela linda, grande e tradicional Praça San Martin.
Numa das tantas caminhadas de após o almoço, entrei na galeria para gastar o tempo olhando algumas vitrines. Parecia estar tendo uma visão quando, ao parar na vitrine da livraria que ficava justamente em frente ao café, vejo lá dentro Borges sentado, conversando com seu proprietário. Claro que fiquei mais tempo olhando para ele que para os livros expostos.
Também me divertia vendo como tantos outros incrédulos, igual a mim, ficaram surpreendidos com a mesma cena. Incrivelmente ninguém teve a coragem que eu esperava, e poder ir me somar e ir junto com algum leitor apaixonado pela sua literatura. Naquele tempo, com vinte e tantos anos, a coragem não aparece sempre e na medida certa como gostaríamos. Pelo menos, não para mim. Ninguém também interrompeu a conversa. E eu, mais uma vez fiquei sem meu livro autografado, sem um contato que ultrapassasse o mero contato visual, mas sim com sua imagem de escritor cego, segurando seu bastão, num terno cinza impecável, conversando certamente sobre livros e apresentando expressões amáveis com seu rosto.
A terceira foi a última e a melhor... mas, lamentavelmente, com o tempo chegou a ser a pior, devido ao aumento que o mesmo tempo lhe dá, ao exagero que lhe empresta.
O encontro foi naquela mesma praça que separava o prédio onde ele morava e meu serviço, tal qual Borges tinha observado no seu poema “A praça San Martin”, no seu primeiro livro, Fervor de Buenos Aires:
“...Como se vê bem a tarde/ do fácil sossego dos bancos!/Abaixo/ o porto anela latitudes longínquas/ e a profunda praça igualadora de almas/ se abre como a morte, como o sonho.”

Lembro que num daqueles dias de intermináveis filas de bancos, atravessei a praça e sentei num dos tantos assentos que se oferecem sob a densa sombra. Poderia alongar a descrição, narrando a paisagem verde no meio do caos da metrópole, meu estado de ânimo ou a situação do país naquele tempo. Mas não, vi Borges sentado do meu lado com sua tradicional posição de segurar seu bastão com as duas mãos. Adianta querer descrever novamente minha surpresa?
Seu rosto, se inclinava levemente, como procurando inspiração divina, olhando sem olhar o infinito da paisagem fantástica que nos rodeava.
Que melhor oportunidade para lhe dizer tantas coisas, poder perguntar-lhe tantas outras, dizer-lhe que poderia lerlhe quantos livros ele quiser, ser seu novo amanuense em troca de poder aprender junto; que poderia visitá-lo todos os dias, levá-lo a caminhar pelas ruas de uma Buenos Aires que não era mais a sua...
Novamente não consegui lhe dizer nada. Como poderia começar um simples diálogo com alguém que não enxerga que estou sentado a seu lado? E esse “alguém” é nada menos que Jorge Luis Borges! Como chamar sua atenção? Teria que tocálo, invadir o espaço sagrado da literatura universal e seus cânones.
Ninguém rebaixe a lágrima ou censure
Esta declaração de maestria
De Deus, que com magnífica ironia
Me deu os livros e a um só tempo a noite
."
O que um simples rapaz de vinte e tantos anos poderia querer com um gênio de mais de oitenta? (Com certeza voltaria a me responder como o fizera àquele repórter que também lhe manifestara ardentemente sua admiração, dizendo-lhe que era um gênio: “Não creia senhor. São calúnias”). Não tive coragem. Fiquei o máximo de tempo que alguém poderia ficar sentado num singelo banco de praça e fui embora. Mesmo assim foi momento inesquecível e eterno. Tanto que, depois desse tempo todo, continuo sonhando que volto ao mesmo momento e desta vez consigo interagir, conversar, chamar sua atenção com um simples toque da minha mão no seu ombro.
Depois a história se encarregou das voltas, das idas e do inexplicável em torno ao cíclico que tanto habitou sua literatura. Eu viajei para o Brasil onde, a partir de 1985, resido.
Tornei-me seu leitor apaixonado, pesquisador da sua vida, palestrante sobre ela e sua obra, em diversas universidades. Os anos finalmente me deram a coragem que tantas vezes me faltou na sua frente. Compartilho a mesma devoção ao livro, aos contos de ficção, às bibliotecas e por uma Buenos Aires que não existe mais. Borges morreu em 24 de junho de 1986.
Cometi o pior dos pecados
que um homem possa cometer.
Não fui feliz
.”

Em 1985, quando lhe foi diagnosticado um câncer de fígado, Borges e Maria Kodama saíram de Buenos Aires para Genebra, onde ele veio a falecer. Foi enterrado no cemitério de Plainpalais, na Suíça, depois de ter afirmado toda sua vida querer ficar para sempre em Buenos Aires. Esta discussão ainda persiste.
Seu túmulo tem na lápide a frase: “ ... E ele não terá medo”.
Em outra face da lápide, a frase: Hann Tekr Sverthit Gram/Ok Leggr Methal Theira Bert, que em sueco quer dizer: “Ele pega a espada Gram e a deposita nua entre eles”. Na parte inferior, a frase: De Ulrica a Javier Otárola. Ulrica é o conto de Borges para Maria Kodama.
E assim como ele mesmo declara no final da dedicatória do seu livro “Leopoldo Lugones”, em homenagem à obra do escritor argentino:
“...Entro; depois de trocarmos algumas convencionais e cordiais palavras, entrego-lhe este livro. Se não me engano, você não me queria mal, Lugones, e teria gostado de gostar de algum trabalho meu. Isso nunca ocorreu, mas desta vez você vira a página e lê com aprovação um que outro verso, talvez por reconhecer nele sua própria voz, talvez porque a prática deficiente lhe importe mais que a sã teoria. Neste ponto meu sonho se desfaz como a água na água. A vasta biblioteca que me rodeia está na rua México, não na rua Rodriguez Peña, e você, Lugones, se matou no início de trinta e oito. Minha vaidade e minha nostalgia armaram uma cena impossível. Pode ser (digo para mim mesmo), mas amanhã eu também estarei morto e nossos tempos se confundirão e a cronologia se perderá num orbe de símbolos e de algum modo será justo afirmar que eu lhe trouxe este livro e que você o aceitou.”
Meu sonho, com a mesma vaidade e saudade também armou outra cena impraticável. Que finalmente além de poder lhe dirigir a palavra, ainda lhe ofereço este livro Borges, que tem minha voz e estilo e assim como aconteceu na sua imaginação com Lugones, você humildemente, também o aceitou.
OBS: Hoje em dia possuo três livros autografados por Borges comprados de bibliófilos argentinos. Um por cada uma das três oportunidades perdidas.
(Prólogo do meu livro "A culpa é do livro")

A orelha de um delirio

A pedido do escritor e editor Carlos Schroeder escrevi a orelha do livro “Delírio Real de um Amor Imaginário”, de João Luis Chiodini. A obra relata os conflitos de um homem apaixonado por uma mulher que só vê em sonhos. Ele é casado, tem um emprego, mas não gosta da vida que leva. Nos vários contos (ou na única história que preenchem as 96 páginas), o personagem sonha com seu cotidiano, tenta fugir da realidade e buscar o seu amor imaginário. Dopado de remédios, para dormir o máximo possível, o protagonista retrata o quanto pode ser infeliz a busca pela felicidade.

Delírio Real de um Amor Imaginário
Se algumas vezes nos visitamos em nossos sonhos, para Arthur Rebello, (personagem principal desta narrativa) isto é um fato corriqueiro. O que ele tem a confidenciar?


Como em sonhos, alguns de olhos abertos, acordados por dentro, nosso coração anseia sempre ir mais longe e antes do acontecimento, já sabe das notícias.
O poema de Oliverio Girondo bem poderia descrever o protagonista: ele é irredutível, não perdoa, sob nenhum pretexto, que não saibam voar. Se não sabem voar perdem o tempo as que pretendam seduzi-lo!
Ele também voa, mas talvez para escapar da sua realidade de escritório, da rotina do seu universo e programa cada vez mais seu horário, ainda que não consiga controlar inteiramente o que se passa nele nem na sua própria história. Sua vigília é fragmentada, frágil, soma de suas obsessões, e as letras pequenas das legendas da sua revelação. Realidade ou ficção? As duas ao mesmo tempo no limite do fantástico e do perigoso.


E se a descrição do texto de Girondo parecia delinear parte do perfil de Arthur; é no final do seu poema que aparece na sua totalidade: “…Sou incapaz de compreender a sedução de uma mulher terrestre, e por mais empenho que ponha em concebê-lo, não me é possível nem tão pouco imaginar que possa fazer-se amor a não ser voando.”
João Luis Chiodini consegue unir a reflexão, a metáfora, o questionamento do aparentemente concreto e o túnel que passa debaixo da realidade.
É preciso conhecer a natureza de nossos sonhos, para tentar não sofrer tanto com alguns deles...

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Poemas dos outros (2)

A vida é da cor surpresa com um matiz de ilusão.

Quisera ser o que era quando queria ser o que sou.

A gota, quando chega ao mar, já é mar.

Não chega destruir o que incomoda. Há que construir o que falta.

Minha anatomia pirou. Sou todo coração.

Minha pobreza não é total. Falto eu.

Solidão, porque pesas tanto se és apenas um enorme vazio?

(Frases dos “Cadernos de José”, cidadão argentino que passava de noite, na década de 70, pelos tradicionais bares da Avenida Corrientes, centro da boemia portenha, e pedia que escrevessem nele alguma coisa. Os cadernos se transformaram em livros best-sellers e no retrato fiel do pensamento da época...)

Um sentir complementa o outro

O amigo Í.ta (Ítalo Puccini), professor em literatura e pós-graduando em Psicopedagogia e Educação Inclusiva, fez as boas-vindas ao nosso Blog no seu “Um sentir complementa o outro”. Ele não poupa elogios... E eu fico feliz e agradeço.
Visitem sua página de leituras e livros... O endereço está na margem esquerda em “Minha lista de Blogs”.
Obrigado professor!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

"Costurando"


De como de uma simples roda de amigos e alguns que outros brindes a nossa saúde, alimentam o anedotário literário...
A foto (Gabriel, Regininha e o premiado escritor CristovãoTezza) ilustra o referido episódio do escritor Carlos Schroeder...

"...Semana passada, a escritora Regina Carvalho veio me visitar. Colocamos a prosa em dia: falamos de filmes e livros, e claro, da vida alheia. Lembramos de alguns momentos pitorescos que aconteceram em Jaraguá do Sul, principalmente durante a Feira do Livro. Num deles, ela, o escritor Cristóvão Tezza e o escritor Gabriel Gómez praticamente fecharam a cachaçaria e saíram costurando as ruas jaraguaenses. Com certeza um dos maiores porres da literatura na cidade."

Trecho da Crônica do escritor Carlos SCHROEDER, publicada no jornal "A Notícia".

Cerimônias do Silêncio (1)

O Silêncio e o Mutismo são diferentes.
O Silêncio é o prelúdio da abertura a uma revelação, o Mutismo é o fechamento decidido a qualquer revelação, é a recusa em receber ou transmitir qualquer idéia ou pensamento, é a atitude deliberada de não revelar nem por gestos ou palavras a sua intenção ou pensamento.
O Silêncio abre uma passagem, o Mutismo fecha.
Segundo as tradições houve um grande silêncio antes da criação do mundo, e haverá um silêncio ainda maior ao final dos tempos.
O Silêncio antecede e envolve os grandes acontecimentos, os grandes fatos. O Mutismo os esconde, os oculta ou os disfarça.
O Silêncio dá às coisas grandeza e majestade; o Mutismo as degrada e as deprecia.
Um marca o progresso o outro indica uma regressão.
O Silêncio é uma grande cerimônia.

Alguns poemas sobre o silêncio...

I - Poção

Cadê o remédio de efeito lento,
de muda sequela,
que apaga
o nunca dos olhos?

Cadê o veneno acelerado
de agora ou nunca
que abrevia
a sede de ausência?

Continuam no mesmo copo,
vazio,
inalcançável sempre.

II - Pela última vez

Entre um sim e um não
vestiu-se nua, e desarmada
saiu de usadas trincheiras
que torcem e retorcem a palavra
até cair o último silêncio.
E foi então
que novamente
disse tudo
não dizendo mais nada
pela última vez.

E foi,
como nunca tinha ido,
como quem já não está.

III - Falta

Estendo sua ausência sobre a toalha,
sirvo café para dois,
e nada falo para ouvir
o que não disse.
Bebo o meu, enquanto o dela espera,
e nem consigo olhar
como não está.
Insanamente a respiro,
abafando o que emudece
e não pulsa.
Escrevo para que me seja dado
seu nome
no tom e carência certa,
enquanto digo anjo, lua, boca.
Depois nada e calo.
Tudo falta,
como se não tivesse sido.
Não sei se quero nela
o que já não existe,
ou ambas,
ou todas nela mesma.
Recolho a mesa,
a cadeira do lugar e
bebo frio seu café.
Tudo disse
o que eu não saberia como,
deste jeito imenso de estar só.
Já somos o silêncio
que seremos.

Eu não entendo de perdas.

IV - O pior

Tinha para dizer-me
o pior dos silêncios que
eu não queria ouvir.

Então calou.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Dança

Um, dois, três passos. Avança lentamente. Elegante. Todos se foram. Agora é com ele. As mãos acompanham a dança. Gira para a direita, retrocede e abaixa com leveza seu corpo. Sente-se acompanhado por inúmeros olhares e um barulho no ar. O público reage, se identifica e parece ir junto. Mais um passo, desta vez para a esquerda, querendo achar um espaço, quase de refúgio, paternal. Os braços se juntam simultâneos, se comunicam. Às vezes parecem esperar, recuados. Outras, encontram a leveza ou a força, ensaiando, mapeando a busca. O corpo suado, esculpido, acha outro. Dançam juntos, suam juntos e enredam mãos e corpos com cautela. Abraçam-se. Medem, ajustam e regulam cada movimento. A coreografia tantas vezes praticada e revista. Os olhos acompanham tentativas que enganam. Luzes intensas, fôlego nervoso. Enquanto um parece correr, o outro dança. A poesia primária, sincronizada, dialoga desafiante. Exaltados, frágeis, lentos e velozes; desamparados. Dançam em equilíbrio, com as pontas do pé, dançam... Parecem driblar, mas não: dançam. Não param, evoluem. Para frente e para trás. O tempo de tablado se esgota. Precisa do último movimento que não chega, ou chega tarde. Procura exprimir-se no momento restante, circula incessantemente, mas está exausto. Foi surpreendido. Um, dois; um, dois. Ouvem-se gritos de glória, aflição e também de agonia; um direto preciso, uma esquerda aberta, implacável, um meio giro e o barulho seco da queda. Falta de ar. Seu protetor cai junto, voa fora da boca. Arrastado, beija a lona com sangue. Cercado, cospe sangue nas cordas. Seus olhos perdem o foco. Tenta alçar-se, procura forças, mas cai, inconsciente, vermelho de dor. Não chega nem a ouvir o grito provocante, o aceno ainda combativo do seu adversário. A toalha jogada de um dos cantos, cortando a passagem do juiz, é a cortina que avisa que a dança acabou.

Dedicatórias


(do Site Escritores Universais do Sul do Brasil - http://www.escritoresdosul.com.br/)


*Tânia Regina Oliveira Ramos

Se a palavra “presente” pode remeter tanto ao tempo e às suas convenções, quanto à doação, à oferta, ela se aplica como uma luva ao que hoje aqui escrevo. Dois livros encontraram-se hoje na minha bolsa: “Borges e outras ficções” de Gabriel Gómez (Design Editora, SC, Jaraguá do Sul, 2009) e “O Sexo Vegetal (SP, Iluminuras, 2009). O primeiro me foi ofertado em 2008; o segundo nesse 16 de setembro de 2009. Duas dedicatórias. No primeiro: “Tânia, este é o segundo livro do Gabriel, que está crescendo como escritor. Acho que vais gostar! Regina” (a Regininha Carvalho, da UFSC, das singelas e inteligentes histórias de sapos e de tantas coisas). No segundo: “Para a Tânia, estas imagens catarinenses e sul-matogrossenses. UFSC, 2009, Sérgio Medeiros” (o próprio autor, meu colega, meu amigo, professor de Teoria da Literatura, da UFSC). Por que eu resolvo falar deste encontro inusitado? Porque ontem, na minha aula do Curso de Pós-Graduação em Literatura, li com meus alunos um conto-crônica-ensaio de Gabriel Gómez (por isso o livro ainda na bolsa), onde ele descreve e interpreta com muita graça e inventividade uma dedicatória feita por Bioy Casarez a uma mulher. Com meus alunos discuti a questão da assinatura, do nome próprio, da biografia. Com meus alunos falei do livro anterior de Gabriel Gómez, um argentino radicado em Santa Catarina, autor de um dos mais empáticos livro sobre livros, “A culpa é do livro”. Com meus alunos falei deste “catarinense-argentino-catarinense”, um dos maiores pesquisadores e colecionadores da obra do escritor Jorge Luiz Borges no Brasil. Outras ficções, Gabriel Gómez, a dedicatória de Regina e a dedicatória de Bioy no livro de Borges, ficaram ali à espera de um outro. E este outro foi exatamente “O Sexo Vegetal”, deste matogrossense de Bela Vista, catarinense por opção e por afetos, poeta-professor, professor-poeta, criativo, erudito, transgressor, teórico do inumano Sergio Medeiros. Sobre “O Sexo Vegetal”, suas imagens vegetais, olhares para um cenário “quando e onde”, opto por usar aqui, “décor”, como o quer o poeta, as palavras tão certeiras de Marcelo Coelho (http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br): “Esses pequenos “cenários” se alternam, ao longo do livro, com curtas narrativas que ilustrariam casos daquilo que o autor chama de “sexo vegetal”; geralmente, as relações epidérmicas entre um ser humano e plantas de qualquer tipo”. A dedicatória interpretada por Gabriel Gómez, de quem quero ainda muito ouvir falar pela sua capacidade narrativa e criativa - suas “10 pequenas ficções”, no livro de que aqui falo, espécies de haicais narrativos, são para mim de uma qualidade ímpar - , me remeteu assim - quando os dois livros se encontram na bolsa e se tocam - à segunda dedicatória quando o poeta-prosador escreve para mim: “Para a Tânia, essas imagens catarinenses e matogrossenses”. Lanço, então, a pergunta diante destes dois excelentes escritores contemporâneos: seriam eles bons representantes de uma nova geração de “escritores do sul” sobre os quais este site nos fala? Seriam eles dois bons escritores catarinenses, de Santa Catarina ou em Santa Catarina? Prefiro a geografia poeticamente falada por eles para responder. De Gabriel Gómez: “E chegou a onda na costa, depositando o corpo que se atreveu a desafiar os segredos do mar”. De Sergio Medeiros: “as nuvens estufadas afundam o Continente, ou o consomem, elevando-se como espessa fumaça”.


(*Tânia Regina Oliveira Ramos, taniaramos@floripa.com.br , professora da UFSC, atualmente coordena o Programa de Pós-Graduação em Literatura)

Poemas dos outros (1)

Onde achar a poesia? Quem e como determina o que não é? Quantas delas passam invisíveis pelo olho costumeiro do nosso dia-a-dia? Ou melhor, quando nossas palavras não foram mais? Quando pensamos que deixaram de ser parte das coisas, de tudo aquilo que dizemos?
Poemas encontrados cativos dentro de outras formas e lugares, escondidos, mas não ignorados por olhares atentos que enxergam beleza e graça no quase despercebido. Escondidos na pressa, no medo, nos hábitos, no fundo do bolso...
Poemas, palavras, bilhetes, mensagens ocultas no obvio, na inocência; frases que isoladas, recuperam sua própria linguagem, essência e força; a própria luz, em segredo, entre a poeira e a rotina. Anúncios, cartas, diálogos perdidos e achados, do cotidiano, em estado puro, muitos involuntários, sem pretensão nenhuma. Palavra das palavras cruzadas, manual de instruções, perola nos lugares mais inusitados. Não importa onde. Readquirem uma nova (mesma) roupa de significados. A poesia, arte que ensina, pode estar na volta dos dizeres, na releitura do descuido, do ignorado, daquilo que nos rodeia e não vemos, na lucidez do espontâneo, na fina ironia do espírito. A descoberta está na atenção, na capacidade em voltar a enxergar, na reciclagem fora de todo contexto, nos poemas impensados do dito, escrito, sem maiores formalidades, métricas nem etiquetas. E como já me disse o autor de “Poemas Plagiados”, Esteban Peicovich, temos que cumprir a Lei Stevens, onde a língua é o olho... Com a proclama matriz de Lautreamont: “A poesia deve ser feita por todos e não por um só.”
A poesia parece ser sempre outra coisa. Quintana expus que ela não se entrega a quem a define; e observava: “os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas. Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais”
Reeduquemos nossa percepção, acendamos e apuremos os sentidos, degustemos a palavra na boca, estamos rodeados de poesia...
Talvez as que transbordam aqui sejam um claro e pequeno exemplo disto...

Cena

Na mão direita dele, desapareceu seu anel
Existem menos folhas nas arvores
As nubes estão diferentes
Ela tem os olhos fechados
Falta uma taça no brinde
As flores não são as mesmas
Tem mais aves

(Solução do jogo dos 7 erros, onde se comparam duas imagens aparentemente iguais)

O bem-aventurado

Por corrigir os Dez Mandamentos. Por embelezar a Pôncio Pilatos e colocar-lhe uma fita ao chapéu. Por recolocar penas e dourar a asa direita do Anjo da Guarda. Por renovar o céu, pintar e ajustar as estrelas e limpar a Lua. Por avivar as chamas do Purgatório e restaurar almas. Por voltar a ascender o fogo do inferno, pôr um rabo ao Diabo, compor uma peçonha e fazer varias minudências aos condenados. Por colocar um Cardeal e vários arranhões ao filho de Tobias e limpar sua sacola de viagem. Por limpar as orelhas à burra de Balaão e colocar-lhe ferraduras. Por remendar a camisa ao filho de Tobias. Por colocar uma pedra nova ao estilingue de David, manchar a cabeça de Goliat e alongar-lhe as pernas.

(Texto da fatura que um pintor conhecido como Potriquín passou ao padre de Corullón – Espanha – por restaurar santos e imagens da Igreja de Villafranca del Bierzo en 1931 e pelo que cobrou a importância de 314 pesetas. Citado no livro em espanhol “Poemas plagiados” do escritor argentino Esteban Peicovich)

Perguntas

Aquela mulher
distanciada
pequena
as primeiras luzes da manhã
que pertencem a ti
que nunca se ouviu dizer
entre nós, em segredo
portanto
referente aos ventos
quase imperceptíveis
emudeço; silencio
vestes de inverno
multiplicou por dois
cores; matizes
abandonados.

(Perguntas aleatórias do jogo “caça palavras” – palavras cruzadas - da revista "Coquetel". Repostas: Ela, separada, miúda, alba, teus, inaudito, cá, logo, eólio, sutis, calo, casacos, dobrou, tons, órfãos.)

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Como sola

E os poemas têm que ser gastos. E os poemas têm que ser gastos, copiados, repetidos, até esgotar os sentidos e as palavras. E os poemas têm que ser gastos, copiados, repetidos, até esgotar os sentidos e as palavras, com letras, olhares, bocas e tintas. E os poemas têm que ser gastos, copiados, repetidos, até esgotar os sentidos e as palavras, com letras, olhares, bocas e tintas de canetas e solas de sapatos nas calçadas de flores e barro. E os poemas têm que ser gastos, copiados, repetidos, até esgotar os sentidos e as palavras, com letras, olhares, bocas e tintas de canetas e solas de sapatos nas calçadas de flores e barro que abrem fendas e curam outras consumidas, deterioradas. E os poemas têm que ser gastos, copiados, repetidos, até esgotar os sentidos e as palavras, com letras, olhares, bocas e tintas de canetas e solas de sapatos nas calçadas de flores e barro que abrem fendas e curam outras consumidas, deterioradas como amor, povo, fome e pátria.

(Texto do livro "Borges e outras ficções")

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