ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Água e fogo

Leio que um ano antes da morte do poeta Octavio Paz, sua biblioteca incendiou-se. Ele acordou no meio da madrugada graças à fumaça e descobriu que o fogo estava consumindo aquilo que tanto amava... A biblioteca de uma vida.
Não fico pensando o que terá sentido porque sei. Lamento saber. Já passei por isso, e não era fogo. As águas da enchente levaram, destruíram e apagaram as memórias de décadas da minha.
A biblioteca de Borges, de Babel, metáfora do Universo em sua infinitude, continua em cada um que por um motivo ou outro, ficou sem ela. Talvez exista um livro que revele, letra por letra, palavra por palavra, frase por frase, toda a história da nossa vida. Nele, até este texto estava publicado, e os outros, e tantos outros que ainda serão escritos.
Ainda procuro esse volume em outras estantes.

sábado, 21 de janeiro de 2012

O poeta no jornal

O jornal não sabia se publicava textualmente a declaração do poeta, depois da denuncia de alguns vizinhos ao escutar em alto e bom som o teor da discussão. Quando a policia entrou no caso, o casal não quis mais falar. Alguns leram com ironia, outros não entenderam suas palavras. Os dois apareceram levemente machucados na capa e como legenda, sua única defesa:
- Assim como dois frágeis e pequenos barcos quando amarrados juntos são levados pelas ondas e o vento, mesmo não querendo, se encostam, uma e outra vez, fazem barulho no cais. Assim.

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Bordel

Flores plásticas num canto do quarto,
carne a mostra, cheiros, restos de algo,
algo seco, um outro de álcool,
com sede afunda o que já foi barco.

Sempre outra pele, nada e quase então,
como animais que pulam das sombras
para outras sombras traduzir a luz.
Dor por quase tudo, tatuado,

naufragam águas e desertos nus,
sem ordem, baralhados
corpos apressados para armar
o amor e depois
ir
quando já foram.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Poemas dos outros

Por corrigir os Dez Mandamentos.
Por embelezar a Pôncio Pilatos e colocá-lhe uma fita ao chapéu.
Por recolocar penas e dourar a asa direita do Anjo da Guarda.
Por renovar o céu, pintar e ajustar as estrelas e limpar a Lua.
Por avivar as chamas do Purgatório e restaurar almas.
Por voltar a ascender o fogo do inferno, pôr um rabo ao Diabo,
compor uma peçonha e fazer varias minudências aos condenados.
Por colocar um Cardeal e vários arranhões ao filho de Tobias e limpar sua sacola de viagem.
Por limpar as orelhas à burra de Balaão e colocar-lhe ferraduras.
Por remendar a camisa ao filho de Tobias.
Por colocar uma pedra nova ao estilingue de David, manchar a cabeça de Goliat e alongar-lhe as pernas.


(Texto da fatura que um pintor conhecido como Potriquín passou ao padre de Corullón – Espanha – por restaurar santos e imagens da Igreja de Villafranca del Bierzo en 1931 e pelo que cobrou a importância de 314 pesetas. Citado no livro “Poemas plagiados” do poeta e amigo Esteban Peicovich)

Veja AQUI qual é a proposta dos "poemas dos outros"

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Dois pensamentos de Borges, uma pergunta com opções e uma constatação

Os pensamentos

Sobre os livros na sua biblioteca: "Ordenar uma biblioteca é uma maneira silenciosa de exercer a arte da critica." (Ele já tinha dito que não guardava na sua biblioteca nenhum livro que tinha escrito. Não tinha como ficar ao lado dos que considerava seus mestres.)
[...] Eu sigo brincando de não ser cego, sigo comprando livros, sigo enchendo minha casa de livros. Outro dia deram-me a Enciclopédia de Brockhause. Senti a presença desse livro em casa, senti-a como uma espécie de felicidade. Aí estavam vinte e tantos volumes com uma letra gótica que não posso ler, com os mapas e gravuras que não posso ver e, no entanto, o livro estava ali. Sentia como que uma gravitação amistosa vinda do livro. Penso que o livro é uma das formas de felicidade que temos, os homens."Sobre os espelhos: "Estou só e não há ninguém no espelho. [...] Eu que senti o horror dos espelhos/não só diante do cristal impenetrável/ onde acaba e começa, inabitável,/um impossível espaço de reflexos/ porem diante da água especular que imita/ o outro azul em seu profundo céu/ que as vezes aproxima o ilusório vôo/ da ave inversa o que um tremor agita.../ "
Os espelhos o assustavam. Tinha repetitivos sonhos com esta duplicidade.

A pergunta

Mesmo sendo cego, você gostaria de estar rodeado de:
1)      Apenas de livros que você escreveu.
2)      De espelhos.
3)      Dos livros que você ama.

A constatação

Borges tinha razão.  

sábado, 7 de janeiro de 2012

Sobre Onetti

Leio numa entrevista que Onetti já tinha decidido nos últimos anos, permanecer na cama do seu quarto em Madri por tédio. Recebia seus visitantes na cama e também escrevia nela, mais por recusa que por necessidade. Trocava o dia pela noite, em companhia de um maço de cigarros e um copo de uísque: “Embebedar-me não. Não serve para nada. A questão é ter sabedoria do gradual”, confessava. Estabeleceu na sua literatura um tipo de relação de divindade, com três deuses em um, definiu. O Pai, o filho e o espírito santo; ou seja: paixão, necessidade e vício.
Suas historias dificilmente tenham um final feliz. Ele disse que quando começa a escrever não sabe exatamente seu final. Mas elas, na sua maioria, acabam mal.
Mas quero lembrar uma opinião do seu conterrâneo uruguaio, Mario Benedetti: “Seus contos são insondáveis e como seres vivos que temos que voltar a ver uma e outra vez, do começo ao fim, e pelo meio, pelos cantos das páginas e dos parágrafos; e começar de novo porque a vida e os contos são complicados, e passado o tempo, seis anos ou uma semana, o conto já é outro, e a gente já é outra, e então temos que recomeçar e revirar-los, agitá-los antes de usar e deixar que as palavras voltem a assentar-se para permitir-lhes mais uma vez revelar seu mistério...”
A mudança acontece, em geral, com toda boa literatura. E, irremediavelmente, também com cada um de nós.  

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Soy yo

Soy yo.
No hay personajes ajenos.
No busquen, no salven
ni torturen otro.
Soy quien escribe y se esconde.
Quien a si mismo plagia.
El verdugo, la victima y actor.
El mismo que siempre vuelve
y no termina nunca por llegar.
Quien describe su propio dolor
mirando los rostros de los otros.
Quien tira la palabra y
ofrece la cara.
Aquel fingidor, desamparado,
sucio de angustia, desnudo.
Alterador de sentidos.
El ultimo y el primer gesto,
limite del verbo,
voz ausente de las cosas.
Sujeto, predicado
y versos húmedos, obscuros,
que ya no interesan.
No me amen.
Mentiras no me salvan.
Compré el arma
de Hemingway.   

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