ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Silêncios...

“Llega un día en que la poesía se hace sin lenguaje, día en que se convocan los grandes y pequeños deseos  diseminados en los versos, reunidos de súbito en dos ojos,  los mismos que tanto alababa en la frenética ausencia de la página en blanco”.

Alejandra Pizarnik
Fragmento de “Pequenos Poemas em Prosa”.
Publicado em “La Nación”,
Buenos Aires (21 de março, 1965).

“Se ha perdido el significado de la palabra más obvia.
Y aún escribo, aún me precipito con urgencia a narrar estados de asombro y de ira. Unalevísima presión, un nuevo reconocimiento de lo que te acecha y ya no escribirás. Estamos a pocos pasos de una eternidad de silencio”.

ibidem
29 de diciembre, París, 1962.




Lemos que o silêncio é o prelúdio de abertura a uma revelação. Por outro lado, o mutismo é o fechamento decidido a qualquer revelação; é a recusa em receber ou transmitir qualquer ideia ou pensamento; é a atitude deliberada de não revelar, nem por gestos ou palavras, a sua intenção ou pensamento.
O silêncio abre uma passagem, o mutismo a fecha.
Segundo as tradições, houve um grande silêncio antes da criação do mundo, e, ao final dos tempos, haverá outro ainda maior. O silêncio antecede e envolve os grandes acontecimentos, os grandes fatos. O mutismo os oculta ou os disfarça. O silêncio dá às coisas grandeza e majestade; o mutismo as degrada e as deprecia. Um marca o progresso; o outro indica uma regressão. O silêncio é uma grande cerimônia.
Este é um livro sobre silêncios. Mesmo que muitas palavras faltem e outras pareçam dissecadas, aprisionadas, evasivas, envoltas de mais silêncio. Difícil de ser alcançado. Para alguns, ausência de som; para outros, a arte de escutar o que não é dito. Prefiro a invisibilidade da palavra e sua nudez.
De forma parcial, conseguimos contemplar apenas seu eco, habitado de forma residual, inefável, interior, primordial. Todos eles convergem e se afundam em palavras que prescindem. De um silêncio vão a outro, ao acabamento da linguagem perfeita, reduzindo e dissolvendo para diferenciar sua voz. Seu ir e vir persegue o inominável. E o prolonga, alternadamente, de forma infinita. Somos o grande ouvido daquilo que se deixa ouvir. E nos interpela ou transpassa.
Cada um possui seu próprio silêncio”, afirma o místico indiano Krishnamurti, que expõe, para que se escute, sem nenhum movimento do pensar, a partir da quietude completa, que “o silêncio que há entre as nuvens e o silêncio que existe entre as árvores tem uma diferença imensa. O silêncio entre dois pensamentos é atemporal; o silêncio do prazer e o do medo são palpáveis. O silêncio artificial, que pode fabricar o pensamento, é morte; o silêncio entre ruídos é ausência de ruído, porém, não é o silêncio, tal como a ausência de guerra não é a paz. O sombrio silêncio de uma catedral, de um templo, é um silêncio de séculos e de uma beleza especialmente construída pelo homem. Este é o silêncio do passado e do futuro, o silêncio do museu e do cemitério. Todavia, tudo isto não é silêncio.”
Silêncios e palavras que, de tão independentes, fazem de cada escritor seu escravo. Viajamos nelas e não são poucos os momentos em que sentimos sua ausência. Ficam engasgadas, presas e impedem nossa fala. E aí falamos muito, sem usar nenhuma. Outras, vazias, não representam o que queremos ou expressam o que elas próprias sentem. Levamos, de algumas delas, mordidas boca adentro. De certezas, tom e dizer errados; de momentos, medos e perdão. Elas têm a importância da oportunidade que não volta e a sabedoria daquela que está perdida. Às vezes fogem; esquecidas, são levadas pelo vento (na verdade ficam suspensas no ar e algumas, poucas, conseguem precipitar-se no fluxo misterioso da inspiração) ou têm o peso daquilo que nunca é dito. Alguns sentimentos não cabem nelas; então, por esse motivo, apenas conseguem suspirar. O que separa o desejo da palavra?
Julio Cortázar sabia que elas também sofrem: “Se algo sabemos, nós, os escritores, é que as palavras podem chegar a cansar-se e ficar doentes, como se cansam e ficam doentes os homens e os cavalos. Há palavras que, à força de serem repetidas, e muitas vezes mal empregadas, terminam por esgotar-se, por perder pouco a pouco sua vitalidade...”. Alguém já disse que deveríamos usar palavras como se tivéssemos de pagar para publicá-las ou dizê-las? E, claro, algumas seriam mais caras. Outras, de tanto valor, nunca poderiam ser ditas. Talvez falemos tanto para não dizer-nos os silêncios.
Há uma palavra, e apenas essa palavra é a que melhor expressa, a que, possivelmente, chegue mais perto do que sabemos ser inclassificável, inteligível. A eloquência analógica do indizível. As palavras, então, se detêm e nada manifestam. Olhamos sem ver o invisível; ouvimos sem entender o inaudível; tocamos sem ver o imperceptível; porque haveríamos de entender ou sermos afetados pelo silêncio diluído no próprio silêncio?
O escritor uruguaio Eduardo Galeano recomenda, com sabedoria, nunca escrever por escrever, mas escrever somente palavras que queiram ser melhores que o silêncio. Aquilo que desconhecemos costuma ser mal interpretado. E, prestar atenção a seu significado, é tentar interpretar com palavras aquilo que não tem nenhuma.
Todavia, Rubem Alves afirma que “todas as palavras, tomadas literalmente, são falsas. A verdade mora no silêncio que existe em volta das palavras. Prestar atenção ao que não foi dito, ler as entrelinhas. A atenção flutua; toca as palavras sem ser por elas enfeitiçada. Cuidado com a sedução da clareza! Cuidado com o engano do óbvio!”
Reeduquemos, portanto, nossa percepção, acendamos e apuremos os sentidos, degustemos a palavra na boca, porque estamos rodeados de poesia e silêncio; e isto é uma grande cerimônia!
Eu não encontrei melhor forma de fazê-lo.


Introdução a meu livro “Cerimônias do Silêncio”

3 comentários:

Anônimo disse...

Boa Tarde!

O silêncio às vezes contém a mais perfeita resposta, porém, NESTE nosso mundo, o silêncio confunde-se com ausência, assemelha-se ao mutismo na aparência... Enquanto que transpomos o caminho natural, dando nome ao inominável, às nuvens é dado conhecer o segredo do silêncio...

Beijo.

Cassandra disse...

Não acredito que mandei como "anônima".... rsrsrs
Coisas da Cassandra... Beijos.

Gabriel Gómez disse...

Pode deixar... eu acredito (rs).

Beijo e obrigado.

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