ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Daniel 12:4

"Finalmente os detratores de George de Burgos ficarão sossegados com seu desaparecimento. Tanto sua literatura como o seu original sistema matemático que determinava e gerava sua escrita foram alvos de ilimitados, contundentes e imerecidos ataques literários.
Ninguém que reverenciou sua obra poderia esquecer as injustas e incisivas críticas publicadas por Harold Bloomer definindo sua produção de medíocre, “plagiador de Babel” e afirmando que não confiava em nada que poderia sair da sua “autoria”. Esta mesma escola do ressentimento criou pessoas que, em vez de apreciar sua grandeza artística, preferiram espezinhá-la. Evidentemente não se constrói uma revolução literária desprezando novas metodologias. Seus inúmeros leitores não estavam preocupados na inexistência de qualquer processo de inspiração, criação, concepção e até de que maneira conseguia chegar a sua maravilhosa literatura. Alguns juízos de valor foram primeiramente questionados, mas a paixão e reverência pela sua bibliografia e a de muitos autores que se serviram desta foi maior.
De que adiantaria saber que Shakespeare nunca escreveu uma línea? Que não teria figura nem disciplina suficientes para justificar seu gênio; que seu verdadeiro autor foi ou não o político e diplomata Henry Neville, que ocultou seu verdadeiro nome por não poder assumir determinadas posturas? Suas tragédias emocionariam menos? Sua perfeição cairia no abismo por supostamente ter um ghost writer? A existência de Shakespeare é objeto de disputa desde o século 19. Já se afirmou que Francis Bacon, Christopher Marlowe e até mesmo a rainha Elizabeth I seriam os reais autores de seus textos... O que não poderia então ser dito difamatoriamente contra George de Burgos? Que nunca existiu a genialidade de suas novelas, tragédias, contos, poemas e inúmeras obras primas da literatura universal? Se muitas vezes Burgos chegou a ser o próprio William Shakespeare! Sei que poderei exagerar na sua defesa, mas nunca assim procederia se não tivesse colaborado servilmente por tanto tempo, organizando seus papéis. Sei que seus propósitos foram nobres...
É difícil qualificar e até mesmo rejeitar sua descoberta literária. Nasce de um desejo de originalidade do seu mundo íntimo. Não me perguntem como conseguiu desvendar a fórmula do número que tenha ultrapassado o milhão na organização de apenas uma dúzia de páginas. Era incrível ver como milhões de folhas ocupavam apenas algumas. Sua filosofia não condiz com as implacáveis criticas que puniam seu processo dado como artificial e dissimulado, e que beirava a loucura. “Sou como a definição dos estóicos, onde a sabedoria consiste em ter a razão por guia; a loucura, pelo contrário, consiste em obedecer às paixões”, escreveu num dos seus contos memoráveis. E esse pensamento não esgota sua revelação. Sua irônica postura existencial foi justamente o motivo central da sua narrativa.
Tinha decifrado o código por meio de operações matemáticas que continham o resultado de todos os algarismos, de todas as letras e símbolos de todos os idiomas, transformando cada resultado num significado oculto do qual bastava escrever
aquilo que se queria, no estilo escolhido, e até no pretenso autor (existente ou não), para ter um resultado final extraordinário. Sua escrita randômica acumulava informações ocultas sob a forma de seqüências alfabéticas eqüidistantes.
Séries bidimensionais eram somadas a seqüências alfabéticas formando palavras com sentidos exatos. Outra com resultados múltiplos. O desenvolvimento destas ferramentas quantitativas para mensurar o fenômeno, sem dúvida gerou cânones literários inesquecíveis. A memória literária era total e abrangia o incondicional das possibilidades..."

Trecho do meu conto "Daniel 12:4", A culpa é do livro.

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