ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Meus livros na lama

As águas baixaram e deixaram lama, sonhos perdidos e muita destruição A situação ainda é de calamidade pública em Rio do Sul (SC). De acordo com a Defesa Civil de SC, quase 1 milhão de pessoas foram afetadas pela enchente. Centenas ainda estão desabrigadas e 3 morreram. Poderia contar o quanto perdemos, o quanto foi levado, destruído e chorado...
Não vou.
Cada um com seus tesouros de lembranças, de coisas que nada valem para os outros e que guardava como se nada mais importasse... Entre eles, meus livros, minha história.
Já me desfiz da minha primeira biblioteca quando saí de Buenos Aires e vim para o Brasil. Mesmo assim trouxe mais livros que roupas. Acompanharam as diversas mudanças de casas, de idioma, de vida...
Parte se foi agora e não quero lembrar quando, depois de entrar mais de 2 metros de água em casa (na qual não morarei mais...), e de pensar que ter colocado parte deles empilhados em cima ia salvá-los, vi minhas bibliotecas caídas na lama por não ter suportado a força das águas...
Tentei secar, abrir suas páginas gosmentas, tijolos molhados de folhas, pingando lama, lodo e lágrimas.
Existem certas coisas em nossas vidas que tem um selo dizendo: “você só irá entender meu valor quando me perder – e me recuperar”. Não adianta querer encurtar este caminho.
Poderia listar inúmeros bens matérias que também perdemos, mas eles podem se comprar novamente. Borges citava uma frase de Emerson que diz: “uma biblioteca é como um gabinete mágico que está cheio de espíritos que dormem nos livros".
Eles se foram... Dormem agora nas águas. Não sei quando voltam.

5 comentários:

Anônimo disse...

my God!
Sei e também passei por isso. É muito difícil narrar, sentir junto, quando alguém não sabe como isto afeta a gente. As perdas nos deixam mais leves... Muitas vezes, leves demais para continuar com os mesmos pés na terra...

Cassandra disse...

Um escritor, um artista ou qualquer pessoa deveria ver nas coisas que lhe sucedem uma como ferramenta, deveria pensar que tudo lhe é dado com alguma finalidade. O que lhe acontece, inclusive as humilhações, fracassos, desgraças, é-lhe dado como uma argila, como matéria para sua arte. É preciso tentar beneficiar-se disso. Tais coisas nos foram destinadas para as transformarmos, a fim de que, a partir das circunstâncias dolorosas de nossas vidas, possamos fazer algo de eterno ou que aspire a sê-lo.

(Jorge Luis Borges)

Unknown disse...

Olá Gabriel, quero expressar o quanto lamento pela sua(s) perda(s) porque sei que serão muitas...

Os livros, os nossos fieis amigos, que nos contam histórias e que aumentam os nossos conhecimentos. Os livros que nos ligam a eles através da história e que depois se transformam numa outra história e, que ..."Acompanharam as diversas mudanças de casas, de idioma, de vida..."

A vida é feita de várias dimensões, apela-nos que saibamos continuar, mesmo que custe, com dor, mas há que continuar...e seguir em frente... um abraço!

Gabriel Gómez disse...

Cassandra... Quem sou eu para contrariar Borges... Penso que sim... Nada é por acaso.
Beijo e obrigado pelo novo ar de domingo!

Marie: É isso mesmo... Impossível saber onde se encaixa certo uma coisa aparentemente errada... Mas como nossa visão é pequena, apenas conseguimos enxergar o imediato...
Agradeço tuas palavras, abraço de um muito obrigado mesmo.

Fátima Venutti disse...

Gabriel, vendo as primeiras imagens de Rio do Sul, a primeira pessoa que me lembrei foi você. Umaginava que estava seguro, pois eu, sem tempo de me conectar com a vida virtual, aqui em Blu sofri também. Moro no terreo de um prédio cuja água adentrou meu apartamento. Correria, medo, desespero e a pergunta mais enfática: o que levar? LEVEM MEUS LIVROS, PELO AMOR DE DEUS. Deixo minhas vestes, meus moveis, mas levem meus livros. Foi o que fiz. Permaneci abrigada 3 dias no apartamento do vizinho no andarc superior até que a água baixasse. Ao todo, dez pessoas dividindo o mesmo espaço e os mesmos medos e perdas.
Sinto tua dor de perda, pois eu já perdi um HD com um romance quase completo. Nunca mais.
Somos guerreiros, acredite.
Força, luz e paz pra ti e sua família.
Saudades de papear contigo

Fátima Venutti
Blumenau

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