Ainda que Cortazar, em seu impagável Manual de Instruções, do livro “Histórias de Cronópios e Famas” (1962), detalhe que “as escadas se sobem de frente, pois de costas ou de lado tornam-se particularmente incomodas” e minuciosamente explique este procedimento:
“...começa-se por levantar aquela parte do corpo situada embaixo à direita, quase sempre envolvida em couro ou camurça e que salvo algumas exceções cabe exatamente no degrau. Colocando no primeiro degrau essa parte, que para simplificar chamaremos pé, recolhe-se a parte correspondente do lado esquerdo (também chamada pé, mas que não se deve confundir com o pé já mencionado), e levando-a à altura do pé faz-se que ela continue até colocá-la no segundo degrau, com o que neste descansará o pé, e no primeiro descansará o pé. (Os primeiros degraus são os mais difíceis, até se adquirir a coordenação necessária. A coincidência de nomes entre o pé e o pé torna difícil a explicação. Deve-se ter um cuidado especial em não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé.)”, ele mesmo completa no seu livro posterior “Último Round” (1969), que existem escadas para subir e escadas para descer, acrescentando que também pode haver escadas para ir para trás:
“Os usuários desses úteis artefatos entenderão sem esforço excessivo que qualquer escada vai para trás se a gente sobe de costas, mas o que resta saber nesses casos é o resultado de tão insólito processo...”.
“...começa-se por levantar aquela parte do corpo situada embaixo à direita, quase sempre envolvida em couro ou camurça e que salvo algumas exceções cabe exatamente no degrau. Colocando no primeiro degrau essa parte, que para simplificar chamaremos pé, recolhe-se a parte correspondente do lado esquerdo (também chamada pé, mas que não se deve confundir com o pé já mencionado), e levando-a à altura do pé faz-se que ela continue até colocá-la no segundo degrau, com o que neste descansará o pé, e no primeiro descansará o pé. (Os primeiros degraus são os mais difíceis, até se adquirir a coordenação necessária. A coincidência de nomes entre o pé e o pé torna difícil a explicação. Deve-se ter um cuidado especial em não levantar ao mesmo tempo o pé e o pé.)”, ele mesmo completa no seu livro posterior “Último Round” (1969), que existem escadas para subir e escadas para descer, acrescentando que também pode haver escadas para ir para trás:
“Os usuários desses úteis artefatos entenderão sem esforço excessivo que qualquer escada vai para trás se a gente sobe de costas, mas o que resta saber nesses casos é o resultado de tão insólito processo...”.
Como também não voltar a lembrar (e associar) que entre as diferentes criaturas literárias e mitológicas concebidas no “Livro dos seres imaginários”, Borges descreve uma curiosa ave, originária da fauna dos Estados Unidos?: “Não esqueçamos o Goofus Bird, pássaro que constrói o ninho ao contrário e voa para trás, porque não lhe importa aonde vai, mas sim onde esteve.”
Escadas e pássaros que andam para trás, parecendo importar-lhe apenas o passado, vendo as coisas regressarem e não se perdendo de vista.
Cortazar explica que é preciso olhar muitas coisas desta forma, subindo para trás: uma boca, um amor, um romance... Mas ele mesmo adverte para tomar cuidado: é fácil tropeçar e cair; há coisas que só se deixam ver quando se sobre para trás e outras que não querem, têm medo dessa subida que as obriga a despir-se tanto; obstinadas em seu nível e em sua máscara, vingam-se cruelmente de quem sobe de costas para ver outra coisa...
Já disse em outro texto que por trás de andar para trás, é o medo da rota pela frente que alimenta a vontade de querer voltar de onde, possivelmente, nunca se conseguiu sair.
Visitar o reino do ignorado exige um voo sem melancolia.
3 comentários:
Olá, Gabriel.
Passando para pôr a leitura em dia, afinal, seu blogue é um dos mais interessantes que considero aqui na blogosfera e deixar de visitá-lo é um pecado mortal. :)
Adorei o texto! Aliás, adoro tudo a respeito de Cortazar.
Beijo grande e que seu fim de semana seja ótimo! :)
Puxa! Que texto! Confunde o real e a ficção como se um fosse o outro (e não é?). Do absurdo está feita nossa realidade.
Gostei!
Patrícia... Nosso silêncio continua cheio...
Obrigado pelas visitas e palavras sempre com afeto.
Beijo!
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