ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Se é bom ler, é ótimo ter lido


Tempo atrás comprei um livro pelo seu curioso e indiscreto questionamento na capa: "Como Falar dos Livros que Não Lemos?", do professor de literatura francês Pierre Bayard. Cada leitor, com certeza, teria sua própria técnica e artifício para esta resposta...
Mas, o que de fato quer dizer ler um livro? Lê-lo com real atenção da primeira a última palavra, sem pular trechos ou páginas? E mesmo assim, ao chegar ao final, será capaz seu leitor lembrar de tudo? E ainda, quem pode dizer que não conhece um livro como "Dom Quixote", mesmo nunca tendo aberto as páginas da obra de Cervantes? Quantos outros foram comprados (e esquecidos) motivados pelo nosso estado emocional daquela hora?
O autor determina algumas categorias para isto e sugere não separar os livros entre lidos e não lidos. Em lugar disso, os categoriza como livro folheado, livro de que ouvi falar, livro esquecido e livro desconhecido.
Parece impossível concretizar a "obrigação de ler tudo" para ser julgado digno de falar sobre livros. Sem querer entrar numa longa declaração de frustrações e adiamentos, quantas outras categorias poderiam existir a partir desta suposição? No capítulo inicial de "Se um Viajante Numa Noite de Inverno", o personagem-narrador de Italo Calvino entra em uma livraria e tergiversa a respeito desta lista... E vamos ser sinceros: Os livros que todos leram é praticamente como se você também os tivesse lido... Ou não? Parece existir um conhecimento coletivo, compartilhado para este tipo de “leitura” de boca em boca. Ainda temos a categoria daqueles que sempre fingimos ter lido e que já seria hora de decidir-se a lê-los realmente; aqueles outros demasiados caros que podem esperar alguma promoção; os livros que de repente inspiram uma curiosidade inexplicável e sem justificativa aparente; e finalmente aquela velha desculpa dos livros que, se você tivesse mais vidas para viver, certamente leria de boa vontade, mas infelizmente os dias que lhe restam para viver não são tantos assim... E aí já viu.
Livros, livros... Tantos que poderiam levar-nos à loucura de Dom Quixote, as fogueiras do Giordano Bruno, à revolução, à fé ou à estupidez de queimá-los em históricas fogueiras. Esta misteriosa relação de desejo que se estabelece entre leitor e livro parece íntima, física, corporal; onde vários sentidos participam: o tato (o folhear, o passar a mão sobre páginas e texturas), o olfato (sentir o cheiro do papel, da tinta e até do tempo...), a audição (ler em voz alta, escutar a musicalidade das palavras e rimas), o paladar (umedecer a ponta dos dedos com a língua, que tantos transtornos causou em “O nome da rosa”), e de forma absoluta, a visão.
Se leitura, antes de tudo, é prazer, como não lembrar daquela (e para alguns, traumatizante experiência) que já fizemos por obrigação na escola? Com títulos e estilos que pareciam à velha e conhecida colher cheia de comida da mãe: necessária, mas quase sempre a contra-gosto, sem fome daquilo.
Tantos livros, tantas vidas. Mas se falamos dos livros que não lemos, estamos sem participar da sua co-autoria, sem poder somar o que apenas cada um dos leitores consegue incorporar em cada uma das leituras... E como o escritor argentino Jorge Luís Borges definiu: “Um livro, quando está fechado, é uma coisa entre as coisas. Mas quando seu leitor o abre, então ocorre o fato estético, e esse fato estético pode não ser ou não deve ser exatamente o que o autor sentiu, mas algo novo, isto é, cada leitor é um criador – colaborador, em todo caso, do texto. E os textos são, sobretudo, diferentes, não pelo modo como estão escritos, mas pelo modo como são lidos.”
A leitura é a eterna busca por si mesmo, a passagem e travessia que o bom leitor faz para esta descoberta. A procura do livro ideal, da página essencial, da frase e palavra definitiva. Como então falar que decidimos não ter esta busca e descoberta, fingindo que preferimos o que nos contaram a ter uma experiência única e pessoal?
Parafraseando Drummond, se é bom ler, é ótimo ter lido.

Artigo da minha autoria publicado na revista Blush.

3 comentários:

kajub disse...

Parabéns!

Roberta Ávila disse...

Adorei! Parabéns!

Bjos

ítalo puccini disse...

adorei, gabriel!

gostei muito muito deste livro do bayard.

legal ver escrita sua a partir disso.

abração!

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