ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Nada tem nome

Este longo poema sobre a palavra, que eu dividi em 5 partes, ficará no Blog enquanto viajo para Buenos Aires nesta semana...
Espero que seja uma boa companhia.
Até a volta...



I
Palavras acordam junto, lambem o rosto,
abrem os olhos, engolimos a seco
parte deste arranhado ar,
do silêncio último,
atravessado.
Repetem rituais, se retraem
e dividem a muda coreografia
do mesmo caminho vazio,
o estreitam,
nada chamam pelo nome, desconhecem apelidos.
Se algo pode ser dito, não é o dito.
Empurram e mudam a distância das coisas,
(por isso algo sempre faz falta em algum lugar),
extraviam alfabetos, blindam afetos de mãos e gestos
entrelaçados, perguntas sem respostas, de perdão e graça,
asas de amores passageiros, misturam ao seu nosso sentimento,
batem na parede o silêncio do avesso, sangram
na página em branco, fecham e abrem janelas, gaiolas,
portões de longos ecos emperrados pela ferrugem;
precisam arrumar o dia,
as que chegam, as que estão, juntam seus pedaços
entre os elementos, querem ser escolhidas,
se confidenciam, não fazem ruído.
Não acordam direito.

II
Parece espontâneo, mas está previsto:
palavras conjeturam, forjam todas as prisões e celas
(alguns olhares nem conseguem mais falar,
mesmo que as coisas procurem sempre lugares nos olhos...),
enforcam línguas, engolem vida, solitária vida,
de constantes chiados,
se ocultam, não passam pela mesma porta,
pela mesma boca, frias, se quebram e continuam,
atravessam a cara em muitas órbitas,
sua linha não entra na agulha,
já não explicam nada.
Palavras esfolam palavras,
no centro, no meio de nós,
adornos.
E tu, como aqueles artistas de rua,
do circo da rua,
que levam a tocha com fogo para a boca
e cospem combustível nas chamas,
incendeias algumas no hálito, no grito que não volta;
quando elas se tocam, te tocam,
escoam, se apalpam de mãos úmidas, já não pesam,
já não passam, germinam em mundo novo, sem terminar,
ainda em construção, em combustão,
possível.

III
Que atirem então poemas pela casa, pelas fábricas,
nos ventos, na cara, nos quartos, nos palcos, na carne,
nos cômodos da oração;
que atirem em tentativas desnecessárias,
de poesias desnecessárias, artificiais,
de poetas dispensáveis, ociosos, não lidos, engavetados,
sofridos, que sobram, conspiram, inúteis, errados,
teimosos poetas de livros encalhados,
de palavras em excesso, cansadas, contaminadas,
onde nada entra, nada falam, que abortam,
abreviam, lapidam, que atiram e falham
em pedaços de lembranças a ponto de esquecer.
(Esquecimentos em palavras
que não foram,
mas foram
as primeiras
a não chegar).

IV
Acorda que acordam palavras
que entendo e não sei falar.
Em silêncio tentam dizer teu nome...
Qual deles?
Quanto é suficiente?
Cai o que não consegues dar.
Cada uma delas é uma caixa da china,
que guarda uma outra menor, e outra,
e outra, e outra depois... E na última nada,
está vazia.
Envelopes sem cartas.
São sempre outras, as mesmas.
Roupas das vestes do traje sem corpo,
de alma e corpo tatuados,
o caleidoscópio da palavra palavra,
que copia e altera a voz que não tem,
a fumaça de letras que respira.
Tudo está dito e ainda poderá se dizer,
ou não.
Voltarão muitas vezes, e logo, a última.
Quando elas caem, as plantas não crescem,
as pedras não rolam, os parques ficam em silêncio,
pássaros desaparecem,
cresce limo nas costas das coisas.
Não sabem por onde começar a chorar.
Qual será a primeira da manhã?
Golpeia ou acaricia?
Teremos sol? Qual será o inventário?
Qual delas beberemos até saciar-nos?
Sabemos e ignoramos.
A língua não assemelha às coisas que nomeia
e faz tudo falar.
Onde dói o coração imaginário?
Na palavra luz já estava sua sombra, seu contorno,
o pó, cinzas, restos do fogo e anjo,
preenche o corpo que mora até voltar a esvaziar-se.
Tudo arde. Podes ouvir?
Nos chama com um nome que não é nosso,
a palavra fala antes de poder dizer.

V
Cresce infinita tua voz na voz de hoje,
e a devolve resumida,
te pronuncia e guarda com anotações à margem,
mordendo a beira dos lábios,
tocam-se nas bordas, assopram
coisas que calam e que poderiam tocar-te, enumerar-te,
neste som que te reinventa, que te acorda, te encosta,
que volta, te traz aqui, necessária, urgente,
te decifra incompleta, atravessa a carne
e lhe dá forma a meus ouvidos:
Você, real,
o melhor que poderia oferecer o dia
e não tem nome.

2 comentários:

Anônimo disse...

Não queria ser a primeira... Esperei, esperei, mas não aguento:
É LINDO! Belo poema!
Quantas vezes teremos que ler o mesmo para saber que é diferente?
Tua poesia melhora sempre.
Parabéns!

Cassandra disse...

Buenos Dias!
Para pensar, cinco dias foram pouco; as lembrancas do escrito no poema, mesclavam-se, falhavam... mas,
1 e 5 sao completos,
Um em si
Dois que formam um
Nao sonhado sonho
Inomidada
Única e tudo
Contida no 2
A metamorfose da buca
Perdida
Confusa
Integral no 3 e 4
Assim acordo:
Ouco tua voz
Sem margens
Sem dúvidas
Sem fim...

Obrigada. Beijo.

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