ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Um diálogo de Borges


Do recente livro que comprei, agora traduzido ao português...


OSVALDO FERRARI: Para além de todas as modas do nosso século, o senhor declarou, em um de seus textos, que afortunadamente não possui vocação iconoclasta.

JORGE LUIS BORGES: Sim, é verdade, acho que devemos respeitar o passado, uma vez que o passado é tão facilmente modificável, não é? No presente.


OSVALDO FERRARI: Mas essa atitude de se manter alheio às sucessivas modas iconoclastas, por sua parte...

JORGE LUIS BORGES: Ah, sim, eu acredito que sim; mas é um mau hábito francês pensar na literatura em termos de escolas, ou em termos de gerações. Flaubert disse: "Quando um verso é bom, perde sua escola". E acrescentou: "Um bom verso de Boileau equivale a um bom verso de Hugo". E é verdade: quando um poeta acerta, acerta para sempre, e não interessa muito que estética professe, ou em que época tenha sido escrito: esse verso é bom, e é bom para sempre. E isso acontece com todos os versos bons, podem ser lidos sem levar em conta o fato de que correspondem, por exemplo, ao século XIII, à língua italiana, ou ao século XIX, à língua inglesa, ou que opiniões políticas professava o poeta: o verso é bom. Eu sempre cito aquele verso de Boileau; surpreendentemente, Boileau diz: "O momento no qual falo já está longe de mim". É um verso melancólico e, além disso, no momento em que dizemos o verso, esse verso deixa de ser presente, e se perde no passado, e não importa se é um passado muito recente ou um passado remoto: o verso fica ali. E foi Boileau quem disse; esse verso não se parece com a imagem que temos de Boileau, mas seria igualmente bom se fosse de Verlaine, se fosse de Hugo, ou se fosse de um autor desconhecido: o verso existe por conta própria.


* BORGES, Jorge Luis; FERRARI, Osvaldo. "Os clássicos aos 85 anos". Sobre os sonhos e outros diálogos. Trad. de John Lionel O'Kuinghttons Rodríguez. São Paulo: Hedra, 2009.

2 comentários:

Cassandra disse...

Li e, cá entre nós, foi muito... gostoso. Pareceu-me às vezes, estar ouvindo suas palavras com certa irreverência ou ironia mas, principalmente ficou um respeito pelo conhecimento literário, inteligência e humildade de Borges, que me cativaram.

Valeu "a apresentação" meu Amigo!

Beijo.

Ah. Voce tem a entrevista dele publicada na Veja (1970)? Caso não, posso levar amanhã.

Gabriel Gómez disse...

Que bom! Sem esquecer que ainda era gago e, mesmo que o texto possa fluir na conversa, ele tinha uma dificuldade enorme para falar sem travar a palavra... Um ótimo escritor, um cânone da literatura... Que foi coerente e inteligente até nas conversas mais banais.
Não lembro dessa reportagem... Mas se é dele, deve ter saído no livro “Borges no Brasil”, coletânea de todas suas entrevistas e passagens por aqui, que já li...
Beijo e obrigado!

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