ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Indizível

Morre o sentimento na dicção,
na tradução para sua palavra.
Rouba-lhe o silêncio,
põe limites, esconde a bainha,
camada gordurosa,
moldura o que toca,
traz o bocejo, golpeia o olho
tudo o que cala.
Seu corpo é meu avesso,
prego do quadro ausente,
espelho ajustável, pássaro vazio,
oco, preenchido,
sombra a luz de muitas velas.
A voz tropeça, sopra,
escorrega no verbo,
rasga a carne do hálito,
cuspe escritas, se desvanece no espasmo.
A palavra usada cai da escada,
disfarça que não dói a dor,
que toma o gosto,
que sente o que sente.
Não se expõe a muita luz,
não resiste sob lentes,
se esconde na memória.
Adivinha o que não disse, insiste,
abre gavetas (as pequenas e as grandes),
queima papeis em branco que ninguém lê.
Deita segredos na fala,
cinzas na saliva,
onde lábios mergulham,
onde a sede é roupa,
língua seca de coisas repetidas,
repetidas.
Com quantas descrever o mundo?
Morre ao tentar explicar...
Ao fazer amor,
ao ler-se, inefável.
Ao não querer que a oração
encontre o dizer que importa
e que possa estar apenas no intervalo,
no espaço do fôlego,
alheio a nós, breve.
A voz não soa, se esfrega,
se atira pela boca.
Escoam nomes no corpo
para mudar de pele;
agradece a cruz, os pregos,
a emoção que foge,
sinônimos com fome, fatigados,
no grito nu por dentro,
vestido só por fora.
O véu serve de abrigo: Indizível.
Pausa.
Poeira de silêncio.
Silêncio de palavra.
Morre o sentimento ao falá-lo,
ao tentar (d)escrevê-lo agora.
Voz larga por abrir
no laço leve que nos prende.

Silêncio.

Quem queira ouvir que ouça.

3 comentários:

Anônimo disse...

Como falar de algo que ainda estou lendo, descobrindo, entendendo, dizendo com palavras aquilo que não é dito com elas?
Indizivel teu poema! Lindo, belo e dito sem letras.

Cassandra disse...

O Dizível do Indizível....

.... Silêncio de palavra: Dizível.

(O eco de tuas palavras... uma homenagem, com a costumeira ousadia...)

Beijo.

Gabriel Gómez disse...

Que dizer?
Já disse.
Obrigado, beijo.

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