Para Alejandra Pizarnik.
(Inspirado num poema de Olga Orozco e nos
diários da própria Alejandra)
Sei, Alejandra,
a rebelião continuará
em observar uma rosa
até os olhos se pulverizarem...
Mas chegaste cedo, infantil,
Antecipando, em pequenos versos,
o silêncio
que viria.
Citando de memória
a nunca tão bela!
Existia uma lâmpada que um anjo segurava
na cama triste de sanatório
e alguns comprimidos que tomaste
esperando acabar a espera
para aquele abismo
da flor e seu jardim,
de escrever com o corpo todo,
para dar sentido ao sofrimento;
nua na página em branco,
teu sexo, tanto medo e
um céu ausente, sem nome,
substituível.
Abraçando cada noite
uma frase apenas tua.
A obra de sombras:
cansaço, mar, sangue,
relógio, barco, pássaro...
As mesmas palavras te consomem
e atravessam as minhas.
E sabias
que no fundo dos lugares,
sempre há um jardim,
também denso, intenso,
profundo.
O jardim do jardim.
Parêntesis das coisas mortas.
Solidão exasperada, de asas,
perigosa.
Amas a noite na tua noite,
que fica o tempo certo para repetir
e repetir: é de noite,
e que assim seja,
que seja ela, sem desmentidos.
Insônia, abandonada,
aquela música de Janis Joplin,
fumando, sozinha no quarto,
bebendo, chorando, amando
o que se faz carência.
Dói o espelho onde te olhas,
pesa este desamparo.
Onde guardar tantos papéis?
E os lápis de cor?
Como morrer de presença?
Onde pôr aquela flor?
Queria te ajudar
a não pedir ajuda.
Mas
a verdade é este pouco a pouco
que te extingue devagar,
um jardim onde não se respira,
uma distância enlouquecida,
um correr para apenas
não chegar.
Perdes o que necessitas arrastar
para não morrer de angústia.
Mas
encurtaste a viagem
da carne, do poema,
engolindo tua sede
de não ter escolhido a vida,
de perder-te, fugir, no medo e na loucura
de ‘não querer ir nada mais que até o fundo’.*
De esperar mais nua que a morte,
que uma palavra.
Que o fundo deste jardim.
De confessar que cada noite
esqueces de suicidar-te,
Esqueces...
Esqueces.
Até que um dia lembras
e partes... Até o fundo
da última esperança.
Pequena passageira.
(* Frase que deixou escrita no quadro negro do apartamento na
noite do seu suicídio)
5 comentários:
Uma bela homenagem à Alejandra Pizarnik, que tinha a exigência de sinceridade em em seus poemas. Suas palavras representavam e não meramente sonhavam... e a nós leitores, ficou o legado de sonhar com suas palavras...
Beijo
Puxa se está justificado!
Fiquei até sem fôlego. Belo!
Parecem muitos poemas num só. Não a conheço, mas é uma ótima porta para descobrir sua poesia.
Está se superando rapaz.
Ir apenas até o fundo, exigir de si tudo isso, é dor demais pra suportar. Sabemos disso.Sabemos diso? Não parece,já que continuamos fazendo a mesma coisa,também...
Um belo poema pruma poeta maravilhosa. AMEI!
bj
Nossa! Olha, fazia tempos que eu não lia uma obra tão perfeita assim. Belo é pouco para adjetivar o seu poema. Profundo, denso, intenso tb são adjetivos pequenos diante da grandeza dos seus versos!
AMEI!
Belíssimas metáforas... não há como comentar uma obra de arte assim... fique com o meu silêncio de contemplação. :)
Beijos
Belo e triste.
Triste e belo.
Como tudo que é belo.
Como quase tudo que é triste.
Parabéns.
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