ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Poemas dos outros (1)

Onde achar a poesia? Quem e como determina o que não é? Quantas delas passam invisíveis pelo olho costumeiro do nosso dia-a-dia? Ou melhor, quando nossas palavras não foram mais? Quando pensamos que deixaram de ser parte das coisas, de tudo aquilo que dizemos?
Poemas encontrados cativos dentro de outras formas e lugares, escondidos, mas não ignorados por olhares atentos que enxergam beleza e graça no quase despercebido. Escondidos na pressa, no medo, nos hábitos, no fundo do bolso...
Poemas, palavras, bilhetes, mensagens ocultas no obvio, na inocência; frases que isoladas, recuperam sua própria linguagem, essência e força; a própria luz, em segredo, entre a poeira e a rotina. Anúncios, cartas, diálogos perdidos e achados, do cotidiano, em estado puro, muitos involuntários, sem pretensão nenhuma. Palavra das palavras cruzadas, manual de instruções, perola nos lugares mais inusitados. Não importa onde. Readquirem uma nova (mesma) roupa de significados. A poesia, arte que ensina, pode estar na volta dos dizeres, na releitura do descuido, do ignorado, daquilo que nos rodeia e não vemos, na lucidez do espontâneo, na fina ironia do espírito. A descoberta está na atenção, na capacidade em voltar a enxergar, na reciclagem fora de todo contexto, nos poemas impensados do dito, escrito, sem maiores formalidades, métricas nem etiquetas. E como já me disse o autor de “Poemas Plagiados”, Esteban Peicovich, temos que cumprir a Lei Stevens, onde a língua é o olho... Com a proclama matriz de Lautreamont: “A poesia deve ser feita por todos e não por um só.”
A poesia parece ser sempre outra coisa. Quintana expus que ela não se entrega a quem a define; e observava: “os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas. Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais”
Reeduquemos nossa percepção, acendamos e apuremos os sentidos, degustemos a palavra na boca, estamos rodeados de poesia...
Talvez as que transbordam aqui sejam um claro e pequeno exemplo disto...

Cena

Na mão direita dele, desapareceu seu anel
Existem menos folhas nas arvores
As nubes estão diferentes
Ela tem os olhos fechados
Falta uma taça no brinde
As flores não são as mesmas
Tem mais aves

(Solução do jogo dos 7 erros, onde se comparam duas imagens aparentemente iguais)

O bem-aventurado

Por corrigir os Dez Mandamentos. Por embelezar a Pôncio Pilatos e colocar-lhe uma fita ao chapéu. Por recolocar penas e dourar a asa direita do Anjo da Guarda. Por renovar o céu, pintar e ajustar as estrelas e limpar a Lua. Por avivar as chamas do Purgatório e restaurar almas. Por voltar a ascender o fogo do inferno, pôr um rabo ao Diabo, compor uma peçonha e fazer varias minudências aos condenados. Por colocar um Cardeal e vários arranhões ao filho de Tobias e limpar sua sacola de viagem. Por limpar as orelhas à burra de Balaão e colocar-lhe ferraduras. Por remendar a camisa ao filho de Tobias. Por colocar uma pedra nova ao estilingue de David, manchar a cabeça de Goliat e alongar-lhe as pernas.

(Texto da fatura que um pintor conhecido como Potriquín passou ao padre de Corullón – Espanha – por restaurar santos e imagens da Igreja de Villafranca del Bierzo en 1931 e pelo que cobrou a importância de 314 pesetas. Citado no livro em espanhol “Poemas plagiados” do escritor argentino Esteban Peicovich)

Perguntas

Aquela mulher
distanciada
pequena
as primeiras luzes da manhã
que pertencem a ti
que nunca se ouviu dizer
entre nós, em segredo
portanto
referente aos ventos
quase imperceptíveis
emudeço; silencio
vestes de inverno
multiplicou por dois
cores; matizes
abandonados.

(Perguntas aleatórias do jogo “caça palavras” – palavras cruzadas - da revista "Coquetel". Repostas: Ela, separada, miúda, alba, teus, inaudito, cá, logo, eólio, sutis, calo, casacos, dobrou, tons, órfãos.)

2 comentários:

Cassandra disse...

Bom Dia Gabriel!

Tua expressividade poética me fascina! Na primeira parte deste texto, voce brinca com as palavras, de forma que progressivamente nos leva à bizarra fusão entre realidade e sonho... Intencionalmente ou não, cria um vínculo (vinculum = laço), uma identificação com teu leitor.
Toca o coração, com emoção.
Obrigada.
Beijo.

Gabriel Gómez disse...

Bom dia Cassandra... A poesia demora, mas não falha... Coloquei este post em 2009... Alguém (você) tinha que enxergar... Que bom!
Beijo!

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