ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Vozes

- Abre-se uma porta para mim, entro e acho cem portas fechadas.
- Creio que são os males da alma, a alma. Porque a alma que se cura de seus males, morre.
- Encontrarás a distância que te separa deles, unindo-se a eles.
- Cem homens, juntos, são a centésima parte de um homem.
- Quando o superficial me cansa, me cansa tanto, que para descansar preciso de um abismo.
- O mal não o fazem todos, mas acusa a todos.
- Quem não enche seu mundo de fantasmas, fica só.
- Uma coisa, até não ser inteira, é ruído, e inteira, é silêncio.
- Não, não entro. Porque se eu entrar não há ninguém.
- Sim, são milhões de estrelas. E milhões de estrelas são dois olhos que as fitam.
- Falo pensando que não devia falar: assim falo.
- Às vezes, de noite, acendo uma luz para não ver.
- Como me fiz, não voltaria a me fazer. Talvez voltaria a me fazer como me desfaço.
- És o que necessitam de ti, não o que és.
- Posso não olhar as flores, mas não quando ninguém as olha.
- Parta-se de qualquer ponto. Todos são iguais. Todos levam a um ponto de partida.
- Te amo como és, mas não me digas como és.
- Quando não se quer o impossível, não se quer.
- Ferir o coração é criá-lo.
- O medo da separação é tudo o que une.
- Se me esquecesse do que não fui me esqueceria de mim.
- Iria ao paraíso, mas com meu inferno; sozinho, não.
- Fui para mim, discípulo e mestre. E fui um bom discípulo, mas um mau mestre.
- O amor, quando cabe numa única flor, é infinito.
- O homem igualaria seu digno mestre se, ao fazer sua obra, fizesse também o inferno para sua obra.
- Eu pediria algo mais a este mundo, se tivesse algo mais este mundo.
O poeta Antonio Porchia nasceu em 1886 em Italia, mas é considerado argentino pois passou a maior parte da vida em Buenos Aires. Chegou ao país em 1901 e sua única obra "Vozes", publicada em 1943, compõe-se de frases ou pequenos poemas de difícil classificação. Após sua primeira publicação, uma edição de mil exemplares, custeada pelo próprio autor, foi descoberto na casa de Victoria Ocampo por Roger Caillois (tradutor e amigo de Borges) em 1949, e começou a despertar o interesse da crítica argentina após ser publicado na França.
O escritor Cesar Aira cita sua obra (e a compara) no livro publicado sobre Alejandra Pizarnik.
Porchia morreu em 1968 e até agora poucos conhecem seu nome e obra. Com esta pequena homenagem pretendo ir na contra-mão deste esquecimento imerecido.

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