Antonio Machado
De que falam os que falam sozinhos pela rua?* Com quem discutem, passeiam, ensaiam respostas? De que riem em alto e bom silêncio? Aonde vão os que não têm lugar? De onde voltam? (Lembro daquele bumerangue que não voltou porque encontrou Deus...). Resistindo, contrastando, cheios de ar, mas em pedaços.
Que desabafo morreu de angústia? E aspirou vida. Que monólogo acompanha o céu? (Que se nubla se tocado). Para onde olham rasgando paisagens? Enquanto a fome canta, desafinada...
Para onde não vão os que falam sozinhos na rua? Por onde passam? Detidos. Onde pára sua fala? Que passa. Quem cumprimenta calado, de muda testemunha, e junta entulhos de presença? Qual o limite? Que cruzam como uma rua ou um rio de água triste, de fumaça molhada, deserta. Parecem caminhar longe, porque longe tudo é mais leve...
Para onde não vão os que falam sozinhos na rua? Por onde passam? Detidos. Onde pára sua fala? Que passa. Quem cumprimenta calado, de muda testemunha, e junta entulhos de presença? Qual o limite? Que cruzam como uma rua ou um rio de água triste, de fumaça molhada, deserta. Parecem caminhar longe, porque longe tudo é mais leve...
* Um curioso estudo sobre diversos casos, identificou alguns tipos:
Aquele que não fala completamente sozinho, já que o faz com seus animais de estimação, que passam a compreendê-lo melhor que ele mesmo. Alguns com idioma próprio que, aparentemente, apenas eles conhecem.
O segundo caso parece com o primeiro, mas este fala com rádios e TVs, contestando argumentos e opiniões. Podem chegar a rir, ameaçar e até insultar. A falta de resposta dos aparelhos parece enfurecê-los ainda mais.
O seguinte é um monologuista agudo. Efetivamente, está acompanhado de um interlocutor, mas este não consegue responder nem intervir nunca, apenas ouvir. Na sua fala, logra não deixar pausas e silêncios, controlando até sua respiração, e assim ninguém conseguir interferir.
O seguinte tipo fala incansavelmente para si, a suposta resposta que deveria ter dito no dialogo que acabou faz tempo. Ele consegue retrucar, fazer que a mesma palavra tenha diferentes tons e ensaia até gestos, caras e bocas para finalmente dizer agora o quê, de forma arrependida, não disse antes. (Existe uma variante neste tipo: aquele que pratica antes todas as formas da fala daquilo que irá dizer, mas dificilmente consegue que seja igual.)
O último caso podemos ver tradicionalmente falando sozinho com todos seus invisíveis interlocutores. Além disto, existe uma pequena porcentagem que também interage com outras pessoas, tentando dar a entender aos incrédulos que eles também podem participar.
Em todos os casos se recomenda calma. Eles não são muito diferentes de todos nós.
(Trecho do texto do meu livro "Borges e outras ficções")
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