
Paro na porta de um prédio na rua Maipú e penso quantas vezes Borges entrou por aqui e olhou sem ver da sua varanda, o verde da Praça San Martin. Quantas vezes retratou ruas, personagens e costumes... Reinventando uma fundação mítica e poética, numa cartografia imaginária, labiríntica e apenas visível nos seus textos. E que se revelava com palavras, facas, pedra e pátios; subúrbios de rufiões e esquinas de compadritos. As muitas Buenos Aires pareciam gritar-lhe: Verbaliza-me! E assim o fez em inúmeros poemas e contos: “As ruas de Buenos Aires/ já são minhas entranhas./ Não as ávidas ruas,/ incômodas de turba e de agitação,/ mas as ruas entediadas do bairro,/ quase invisíveis de tão habituais...”. Aquela cidade já não existe. E o centro continua, segundo sua expressão: “um lugar pitoresco e desenraizado”.
Paro numa outra esquina, demoro a continuidade, e assisto o mundo passar... A cidade é, antes de tudo, um estado de afeição. Se algo não morreu, foi meu olhar, que procura, ávido, mas sem respostas. Acompanho a silhueta de paredes com meus dedos, com a mesma ternura de passar a mão em algo que dorme. Para que ela sinta, mas sem acordar. Um grito foge da boca. Depois, o passado cai da memória e fica na minha frente, provocante, mal-intencionado, de aparente liquidação. E nem assim consigo levá-lo... Teia de aranhas de lembranças, redemoinho de papéis à procura de um sentido.
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