Esses papéis do passado que guardo numa caixa são meu zoológico particular: ali estão trancadas feras de tamanho reduzido: lagartos, ratos, serpentes de pele fria. Basta abrir a tampa para vê-los moverem-se, minúsculos como as minúsculas placas de gelo que navegam em meu sangue. No redil da história apresento os animais da manada: alimento-os com a carne de meus próprios pensamentos. (...) Esta noite, ao mergulhar a mão direita na caixa onde guardo meus papéis, os animais subiram até meu antebraço, moviam as patinhas, as antenas, tentando sair ao ar livre. Esses répteis, que se arrastam por minha pele cada vez que resolvo mergulhar a mão no passado, provocam em mim uma infinita sensação de repugnância, mas sei que o roçar escamoso de seus ventres, o contato afiado de suas patas, é o preço que tenho que pagar toda vez que quero comprovar quem fui.
Introdução a meu conto "Sobre nós" com texto de Ricardo Piglia.
2 comentários:
E o passado nos condena...Rs rs. Gostei desta introdução de seu conto, Gabriel.
Preciso voltar aqui com mais tempo...
Um abraço!
Quem bom a senhorita novamente por aqui... Cada final de ano, parece faltar tempo a todos... Obrigado pelo comentário...
Abraço Camila.
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