ESCRITOS DO GABRIEL

(Tentar que nossas palavras sejam, através de nós ou, quiçá, apesar de nós.
Meus textos, meus rascunhos com erros... )



"Então, um dia comecei a escrever, sem saber que estava me escravizando para o resto da vida a um senhor nobre, mas impiedoso. Quando Deus nos dá um dom, também dá um chicote – e esse chicote se destina exclusivamente à nossa autoflagelação."

Introdução do livro Música para Camaleões, de Truman Capote.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Cerimônias do Silêncio (16)

Fogo

Está pegando fogo. Não sei quando nem como começou, mas não deixa chegar perto. Quem assiste fica de boca aberta, imóvel, quase sem gestos. A saliva não ajuda e parece alimentar cada vez mais seu volume. Quanto mais gente, mais saliva, será pior. As lavaredas parecem formar pequenas silhuetas deformadas. O sol aquece até as sombras, tudo se confunde no amarelo e faz que nem consigamos enxergar sem apertar os olhos. Parecem encenar, embora sem roteiros, ensaios ou montagens. Poderíamos pensar que exista uma música, também acidental, mas não se ouviria. Alguns que passam, olham querendo encontrar respostas em outros gestos esmagados. Os que chegam se incorporam como convidados e tentam com mais olhares, recuperar informações, detalhes que possam explicar como tudo começou. Alguns conseguem ouvir disparatados pontos de exclamações que avivam ainda mais a chama. Outros, já cansados, renunciam ao epílogo desta queima.
Eu não. Olho, espero, sem voz, sem letras entre os lábios.
Não sabem que espelhos se suicidam, se incineram; pedras bocejam vida, mãos prostituem caricias e transpassam paredes, céus desprendem inúmeras rezas aderidas que a boca enche, e entope tanto que não consegue falar. A garganta engole fragmentos.
O silêncio pega fogo, e queimando, tem cheiro a palavra. E a palavra não flui, não ampara. Tenta, mas não pode, apenas geme, suplica e exige mais beleza. É o milagre inútil. E quando ninguém pergunta, a morte parece responder com mais silêncio. A mudez das coisas o alimenta. A memória sussurra sem ar, belisca, aproxima-nos perigosamente, amplia. São espasmos gagos que ardem.
Então um deles emudece, tanto que incendeia o resto. Deito no chão para não respirar sua fumaça.

Tem muito silêncio queimando aqui.

2 comentários:

Rômulo Ferrari disse...

Belo texto!
Cheio de magia pelo elemento...
Não é para os que olham o que o véu mostra. Para os que enxergam a combustão, o calor ou os gazes liberados. Mas sim, para os que conseguem apreciar o silêncio, sem os ensaios da rotina...

Obrigado pelo texto!

Gabriel Gómez disse...

Obrigado Rômulo... Seu belo comentário complementou meu texto! Apareça sempre. Abraço.

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