
A rede tinha transformado as bibliotecas numa sinfonia de vários movimentos que vão desenvolvendo as informações disponibilizadas no mundo, mas sem cheiro de livro, sem a
textura das páginas, sem as dobras trazidas pelo tempo. Para ele, nada substituía a visita a uma biblioteca. Ela era o símbolo da fugacidade das suas certezas e algumas mal curadas crises de claustrofobia. Aquilo que o dicionário definia como “Impressão produzida no olfato pelas partículas odoríferas emanadas dos corpos voláteis ou dissolvidos”, parecia-lhe insuficiente no seu conceito aplicado ao livro.
Ficou espantado com a notícia de que pesquisadores da Universidade de Cambridge tinham descoberto um novo método para prevenir a deterioração de livros antigos. Demonstraram que, no momento que começam a se decompor, emitem uma complexa mistura de componentes orgânicos – entre eles, ácidos voláteis –, que produzem um cheiro característico. Tomam amostras do ar em diversas áreas da biblioteca, com o propósito de determinar as que têm alto conteúdo de ácido, o que indicaria que naquele local existem volumes em decomposição.
O cheiro dos mais antigos era seu bálsamo preferido. Um simples aroma de livro no ar era capaz de trazer de volta uma carga emocional semelhante a seu desespero por possuí-lo. Mas detestava os arrumados, quase formatados. Gostava deles marcados, de preferência surrados de tão lidos, usados, para assim lê-los pelos olhos de muitos, mas com uma liberdade escondida só dele."
Trecho do conto "Sombras dos personagens", do "A culpa é do livro".
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